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O efeito borboleta

Com os humanos todos ligados, pequenos acontecimentos podem ter repercussões de enormes dimensões e absolutamente imprevisíveis. Construímos um Mundo demasiado complexo para o controlar. E isto cria ansiedade.

Se alguém escrevesse num guião de um filme apocalíptico que uma erupção na Islândia deixariam turistas imobilizados por esse mundo fora, chefes de Estado retidos noutros países ou políticos e homens de negócios obrigados a atravessar meia Europa de autocarro provavelmente ninguém encontraria grande verossimilhança no absurdo. Se alguém dissesse que uma nuvem de cinzas chegaria para pôr em perigo milhares de empresas não faltaria quem se risse do alarmismo.

E, no entanto, quase todos conhecemos alguém que está perdido em algum lugar à espera de poder voltar para casa. Todos sabemos de reuniões desmarcadas, negócios por fazer, trabalhos suspensos, famílias que esperam. E isto multiplicado à escala global.

A coisa assusta pela sua pequenez e pela sua grandeza. Pela pequenez da causa e pela grandeza dos efeitos. Sem qualquer juízo de valor, que seria absurdo, a verdade é que parecendo quase sempre extraordinariamente vantajoso que estejamos todos ligados, os perigos desta rede são imensos. O efeito borboleta, que prosaicamente é explicado através da ideia de que o bater de asas de borboleta na China pode causar um tufão na América, é hoje facilmente verificável.

Ligada em rede, a comunidade global pode dividir conhecimento, arte, tecnologia. Mas também a tragédia e as desgraças. As cinzas islandesas podem falir empresas, assim como o incumprimento bancário de proprietários de casas nos Estados Unidos pode rebentar com a economia mundial. Potencialmente, tudo afecta toda a gente.

Nada pode suster a sucessão de acontecimentos quando cai a primeira peça da fileira de dominós em que vivemos. A dimensão da sucessão de acontecimentos provocados por um pequeno episódio torna os efeitos de cada decisão ou acontecimento imprevisíveis e incontroláveis pela pequenez humana. E é isto, de que as cinzas islandesas são apenas um exemplo, que cria nas sociedades modernas uma ansiedade colectiva permanente em que o ser humano nunca viveu na sua história durante tanto tempo.

Dito isto, algumas coisas podemos fazer para dar segurança à nossa existência: não deixar que nenhuma tecnologia domine todos os aspectos da nossa vida. Não podemos depender exclusivamente dos aviões – acho que qualquer português pode agora perceber a importância de estarmos ligados à rede de alta velocidade -, ou do petróleo, ou dos computadores, ou até dos transportes. Ou seja, a imprevisibilidade dos tempos de modernos, que resulta da globalização e da tecnologia, obriga a não abandonarmos totalmente os instrumentos dos velhos tempos. Aqueles que sobrevivem sempre que o castelo de cartas em que vivemos ameaça desmoronar.

Nem sequer podemos dispensar a proximidade física. Porque não está escrito em lado nenhum que o Mundo continuará a ser tão pequeno como agora nos parece. Sobre isto, vale a pena ler o livro de James Howard Kunstler, “O fim do petróleo”, em que, num tom catastrofista mas estimulante, nos explica como a globalização pode ser destruída com uma crise energética de larga escala. E como o local, se isso acontecesse, voltaria a ser o centro da nossa existência, mudando tudo o que hoje nos parece indiscutível: da organização das cidades à dimensão dos Estados, da globalização económica à forma como nos alimentamos. Suspeito que iríamos ter saudades desta ansiedade em que vivemos.

Por: Daniel Oliveira

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