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O Dr. Atestado

Esferorragia

Não foi surpresa que mais uma vez a questão dos falsos atestados médicos tenha vindo à baila, agora por causa da vergonhosa problemática da colocação dos professores, tal como o ano passado havia sido badalada a propósito da não comparência a exames da primeira época dos alunos de uma escola algures para o Norte igualmente justificada com base em pretensos falsos atestados médicos. Não querendo desculpar o indesculpável, e neste caso as falsas declarações de Médicos sob a forma de atestado, que a troco de uns euritos ou apenas por simpatia ou simplesmente para não se maçarem muito com explicações e ficarem rotulados de filhos de qualquer coisa porque outro médico terá passado a alguém nas mesmas circunstâncias, hipotecando assim a honorabilidade do exercício profissional (que de resto já conheceu melhores dias) e desvirtuando a isenção e justiça que deve estar subjacente a concursos, exames, julgamentos e tantas outras situações, venho, no entanto, manifestar a minha náusea pela institucionalização abusiva de atestados ou declarações médicas para tudo e mais alguma coisa.

Na realidade há muito que se instalou por todo o lado e em toda a gente a ideia de que quando uma situação está a modos que encrencada um atestadozito médico pode dar jeito e mesmo os que criticam com razão tal prática não terão grandes pudores em recorrer a esse artifício se alguma vez precisarem (haverá excepções certamente, mas de tão excepcionais apenas confirmam a regra) e tacitamente todos vivemos alegres uns a pedi-los e outros a passá-los diabolizando de quando em vez os eventuais prevaricadores, uns e outros, em jeito de expiação de má consciência quando as coisas se tornam mais escandalosas e aos outros dizem respeito. Que fazer? Não faço a mais pequena ideia, excepto a investigação da autenticidade das declarações por quem se sentir lesado seja pessoa, empresa ou instituição. E um aumento de responsabilidade cívica de todos, o que assenta num maior (muito maior) nível de Educação geral.

E que dizer da inflação de necessidades atestatórias para actividades lúdico-desportivas ou de lazer? É que ele agora é atestados para a hidro-ginástica, para a natação dos putos, para a aeróbica, para a dança-jazz, para o rancho folclórico, e por aí fora. Mas está tudo doido ou quê? Em primeiro lugar, isto corresponde a uma absoluta desresponsabilização das pessoas em assumir se devem ou não praticar esta ou aquela actividade. Devem ser elas a preocupar-se com a sua saúde e, desejando praticar determinada actividade, informarem-se se julgarem em consciência necessário junto do seu médico se essa actividade lhes é ou não indicada assumindo então a atitude a tomar. Pelo seu lado, se os clubes, ginásios ou lá o que for, acharem que devem solicitar declarações médicas para os seus membros devem contratar um médico com formação na matéria e pagar-lhe para “vistoriar ” os praticantes, ficando sempre estes com o ónus da responsabilidade de escamotear algum dado pertinente (tipo consumo de drogas nos balneários, ser passado dos carretos na clandestinidade ou coleccionador de chatos não assumido).

Julgo, como outros, que pode ser posta em causa a legitimidade da utilização gratuita do Serviço Nacional de Saúde para algo recreativo e não de todo necessário à saúde no sentido estrito do termo. Em segundo lugar, a onda atestatária que se abateu corresponde sobretudo não a uma real preocupação com a saúde, mas a uma espécie de epidemia de pânico provocada por mortes súbitas mediáticas (das quais a de Féher se destacou) e que leva as pessoas a recorrer ao médico, não por estar doente ou porque tenha dúvidas sobre a sua saúde, mas porque alguém lhe pediu um atestado. Deixo aqui as minhas homenagens ao meu colega e amigo Luis Filipe Gomes que, tendo perdido a paciência e ganho criatividade, criou um inquérito em jeito de contra atestado a ser preenchido pelos responsáveis das piscinas de Portimão com cerca de 60 items, entre os quais a temperatura média dos corredores, dos balneários, a diferença entre as temperaturas dos diversos espaços nas várias horas do dia, a densidade de fungos nas águas residuais e nos tanques, frequência das inspecções de funcionamento dos sistemas de desinfecção da água, humidade do ar, etc., etc., e a trazer por cada pessoa que solicitasse atestado como condição para a passagem (ou não) do mesmo.

Confesso que de atestados médicos me sinto realmente um médico atestado.

Por: Vasco Queiroz

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