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O «dom» de cantar ao desafio e de tocar concertina em Almeida e Figueira

Segundo encontro promovido pelo Inatel juntou cerca de 120 executantes que animaram as duas vilas vizinhas

Muita alegria, diversão e algumas tiradas bem “picantes” foram ingredientes que não faltaram ao segundo encontro de tocadores de concertina e cantadores ao desafio que decorreu no último sábado nas ruas das vilas vizinhas de Almeida e Figueira de Castelo Rodrigo. Entre miúdos e graúdos, senhoras e homens, vindos do distrito da Guarda e também do Norte do país, foram cerca de 120, os participantes nesta organização do Inatel. Evitar a perda destas tradições culturais é uma preocupação comum aos intervenientes nesta iniciativa.

Natividade Vieira e Francisco Rosas protagonizaram um dos despiques de palavras mais acesos ao longo da manhã, em Almeida, com a jovem de 18 anos a responder “à letra” aos “piropos” lançados pelo seu companheiro de ocasião. Natividade, vinda da Póvoa do Lanhoso, canta ao desafio há cerca de um ano, mas confessa que «por vezes» chega a «desanimar» porque «não se vê ninguém com 18 anos a cantar ao desafio», lamenta. «As pessoas que participam nestas cantigas têm, quase, todas mais de 40 anos e quando digo aos meus amigos que canto ao desafio, eles fazem logo um expressão de desagrado», indica. Contudo, o gosto que nutre por esta prática popular é mais forte que todas as críticas que lhe possam ser feitas, daí que assuma o «gosto» por iniciativas como aquela que teve lugar em Almeida e Figueira: «Tenho que seguir para a frente. Não lhes posso dar ouvidos, mas é claro que gostava que houvesse mais jovens da minha idade a cantar», realça. Quanto às cantigas propriamente ditas, não existe nenhum ensaio para os espectáculos, saindo «tudo de improviso», daí que haja «dias em que corre bem e outros nem por isso», até porque «é um bocado complicado ter sempre resposta para dar», visto que enquanto um cantador está a cantar, «o outro já tem que estar a pensar na resposta», explica.

Por sua vez, Francisco Rosas, mais experiente nestas andanças, adianta que cantar ao desafio é um «dom que algumas pessoas têm. É preciso ter uma grande capacidade de improvisação, mas é algo que nasce com a pessoa e quanto mais se canta, mais se gosta de cantar e as coisas saem», diz. De resto, o funcionário público, chegado de Barcelos, garante que nos encontros de tocadores de concertina e cantadores ao desafio se reunem «todos os níveis de pessoas com as mais diversas culturas», desde «doutores, engenheiros até agricultores», conta. Desta forma, apesar de se considerar uma pessoa «bastante culta», não é isso que lhe «permite cantar melhor ao desafio», já que nestas cantigas impera a cultura popular que se orgulha «de transmitir» aos outros», assevera. Francisco Rosas canta «desde pequenino» e só não o faz mais vezes porque a sua vida profissional «não o permite», isto porque ao cantarem, as pessoas denotam «sempre alguma alegria, qualquer coisa que transmite uma mensagem de paz», revela.

Tocar concertina é uma «grande paixão»

Já João Teixeira Pinto, veio da Maia, tem 54 anos e há 40 que toca concertina, uma «grande paixão» da sua vida, pois caso contrário não teria dado «tanto dinheiro», cerca de 2.500 euros, «por uma peça destas», adianta. No entanto, não se arrepende deste «esforço financeiro», tamanha é a «alegria» que a sua concertina lhe proporciona nos «muitos encontros» em que participa pelo país fora. Esta foi a segunda vez que João Teixeira Pinto veio tocar ao distrito da Guarda, já que o ano passado esteve presente no primeiro encontro, tendo gostado «muito, especialmente da gastronomia», relembra. De resto, o facto da iniciativa ter sido alargada a Almeida é «positivo para diversificar estas actividades», diz quem se orgulha de ter aprendido a tocar por si próprio, já que «nunca» teve «uma aula de música na vida». O tocador vindo da Maia tem «pena que os nossos governantes não dêem mais valor» a esta tradição, focando a tendência dos mais novos em se «virarem para as discotecas, órgãos e barulho», daí que reclame a existência de «mais incentivos para os jovens» para impedir que esta manifestação cultural acabe. Recorde-se que é intenção do Inatel colocar este encontro no roteiro nacional deste tipo de eventos.

Ricardo Cordeiro

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