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O direito à vida

Pontos nos Is

Mais de onze mil mulheres foram internadas em 2003 por complicações após a interrupção de gravidez. Cinco morreram.

Estes são os números inquietantes que a Direcção Geral de Saúde tornou públicos. Estes são dados que devem perturbar todos os que continuam a defender a penalização do aborto.

É perante este cenário que D. Armindo Lopes Coelho, Bispo do Porto, veio a público, numa atitude corajosa mas que não está isolada, falar da despenalização do aborto. É esse esforço de humanização que é cada vez mais pedido à sociedade portuguesa. Para defender a vida.

Se onze mil mulheres tiveram problemas na sequência da interrupção de gravidez, seguramente o número de abortos clandestino foi muito superior. Não se sabe, pois, quantas mulheres abortam todos os anos em Portugal. Mas sabemos que são muitas as que viajam para Espanha. As clínicas de Zamora, Salamanca, Cáceres, Plasencia ou mesmo Ciudad Rodrigo têm as jovens portuguesas, desta região, entre os clientes. Todas se recusam a apresentar números, mas confessam que são muitas as portuguesas que ali se deslocam para abortar. O problema é que muitas outras, por falta de informação ou de meios, fazem-no do lado de cá arriscando a própria vida.

Foi precisamente há quatro anos que uma mulher de Vilar Formoso, acompanhada pelo marido, se deslocou à Guarda para abortar clandestinamente. As complicações num quarto de parteira sem condições mínimas sucederam-se e acabou por morrer. O casal tinha já três filhos, o mais pequeno cerca de um ano, e concluíram que o agregado familiar não suportaria mais um elemento. Tomaram a pior decisão: abortar sem condições. Seguramente não decidiram de ânimo leve.

Quem conhece mulheres que tenham optado pela interrupção voluntária da gravidez sabe que o aborto não é uma decisão fácil. É uma marca indelével na individualidade da mulher. É um lamento profundo que fica registado para sempre na consciência de quem o pratica. É uma opção quando esgotadas todas as outras. É uma decisão que não pode continuar a ser penalizada. A despenalização não é um convite ao aborto, é a criação de condições adequadas e seguras a quem, em última instância, toma essa difícil decisão. Porque as mulheres que abortam têm o direito de viver.

Em Aveiro há dezassete arguidos que por estes dias são tratados como os piores criminosos do mundo. Pessoas acusadas do crime de colaboração ou prática de aborto. São mulheres que estavam grávidas, mas são também namorados, pais ou amigos que acompanharam a “criminosa”. A lei condena-as. A sociedade também. Porquê?

Luís Baptista-Martins

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