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O direito à morte assistida

Centenas de cidadãos marcharam este sábado na capital contra a eutanásia. O Papa Francisco, solidário, encorajou os manifestantes com uma mensagem. E, no mesmo dia, veio a público uma petição com idêntico propósito. Uns e outros, signatários da petição e manifestantes, posicionaram-se textualmente contra qualquer tentativa de ameaça ao Direito à Vida e exibiram pelas ruas de Lisboa faixas. Pelo menos uma faixa projetava uma suposta vida embrionária a suplicar que a mãe a deixasse viver.

Mas há aqui um equívoco terrível. Quem defende o direito à morte assistida não quer ameaçar o Direito à Vida. O que quer, conscienciosamente, é juntar ao direito absoluto à vida um outro direito, que certamente não pode ser encarado como absoluto, de autodeterminação quanto à morte própria. Um direito que é circunscrito ao «doente que sofre e a quem não resta outra alternativa, por ele tida como aceitável ou digna, para pôr termo ao seu sofrimento (…), um último recurso, uma última liberdade, um último pedido que não se pode recusar a quem se sabe estar condenado». É isto e nada mais que se pode ler na petição, subscrita por 8 mil pessoas, pela despenalização da morte assistida, entregue há perto de uma semana na Assembleia República.

Ainda assim e apesar destas condicionantes extremas, é muito razoável que haja quem não se sinta confortável com um direito à morte assistida. Por inúmeras razões, tão válidas e legítimas quanto as razões que assistem a quem ache que é tempo de a sociedade portuguesa avançar na direção do reconhecimento deste direito. O que não é razoável, sendo mesmo particularmente gravoso num debate tão sensível, é vermos encenadas escolhas distorcidas e falsas opções que tornam o debate em um não debate e a discussão numa prova de músculos. Pode-se, por exemplo, debater se a eutanásia é garantidamente uma vontade da pessoa doente e em sofrimento insuperável. Pode-se também discutir que fronteira de sofrimento sem saída tem de ser ultrapassada para que um ato de eutanásia seja socialmente aceitável. Pode-se discutir se devem, ou não, ser feitas diferenças entre eutanásia e suicídio assistido. O que não se pode fazer, o que não é aceitável, a não ser falseando os termos do debate e a seriedade que o deve regular, é que se diga que alguém que se bata por estes direitos não quer respeitar a vida e a quer ameaçar.

A contra-petição publicitada esta semana escolheu intitular-se “Toda a Vida tem dignidade”. Mas, pelos vistos, no entender dos peticionários, é precisamente a pessoa humana quem não tem dignidade suficiente para se autodeterminar a morte em condições de extremo e incurável sofrimento. Esperar pela morte natural em tais condições não é natural. Sobretudo, não é humano.

Por mais progressista que seja, em comparação com os seus mais imediatos antecessores, o que é de apreciar, o Papa Francisco vai dando sinais de que, ainda assim, fica aquém das possibilidades que estavam ao seu alcance.

Por: André Barata

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