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O dia em que a liberdade bateu à porta

Cinco personalidades da Guarda dizem de sua justiça e o que “ficou” do 25 de abril de 1974 a propósito dos 40 anos da Revolução dos Cravos

Quarenta anos depois daquele que ficou conhecido como “dia da liberdade”, os ideais permanecem mas nem todos acreditam que estes continuem a ser defendidos. Eduardo Espírito Santo vai mais longe e diz mesmo que «já nada resta dos direitos políticos e sociais democráticos que o povo português conquistou numa luta firme e persistente».

Isto porque «se roubam salários, pensões e direitos sociais» e um grupo reduzido «acumula todas as riquezas», considera o candidato recorrente do PCTP/MRPP à Câmara da Guarda nas últimas duas décadas, salientando que, quando tal acontece, «não se pode falar em democracia». E também «não se pode falar em liberdade» quando o país «é governando por uma força estrangeira, um quarto da população está desempregada ou vive na pobreza e os jovens são expulsos em massa», critica o professor reformado. «É preciso conquistar de novo os direitos que foram expropriados ao povo», apela, reiterando que «é preciso manter uma confiança inabalável na capacidade que este terá de derrubar novos “Miguéis de Vasconcelos” e pôr de pé um governo democrático e patriótico».

Por seu lado, António Dias de Almeida acredita que o bem mais precioso ainda persiste: a liberdade. «O 25 de abril pôs fim à polícia política, à censura, às proibições de reunião e associação», recorda o antigo professor de Português da Secundária Afonso de Albuquerque e estudioso da literatura, destacando que marcou também o fim da guerra colonial, «permitindo o nascimento de novos países com os quais convivemos através duma língua comum». “Homem de causas”, Dias de Almeida não esconde o carinho que sente pela data e pelo que ela representa: «Gostava que o espírito do 25 de abril conseguisse imprimir a revigoração da democracia», confessa, garantindo que, «para isso, é fundamental reestruturar os partidos políticos e sacudir a apatia e indiferença duma sociedade civil conformista e acomodada».

Já Carlos Baía acredita que os ideais de abril não foram suprimidos: «É algo estranho perguntar o que “sobra” do 25 de abril, sobra o que tinha de sobrar, a razão primordial da sua existência», sustenta o antigo vereador da Câmara da Guarda. «Sobra um país que nesse dia começou o caminho da democracia, da liberdade e do Estado de direito, não é pouca coisa», sublinha o professor de Filosofia. Não é, portanto, de estranhar, que a mensagem da data ainda o inspire nos dias de hoje: «Apesar das dificuldades e das agruras por que passamos ou dos discursos inflamados sobre o ideal de abril, Portugal é uma democracia adulta e um país de liberdade», acrescenta o antigo militante do MRPP, pelo que «quero que assim continue por muitos e bons anos. Só desta forma se cumpre o desígnio do 25 de abril», remata Carlos Baía.

«Quer eles queiram quer não, os cravos continuam vermelhos»

Em 1974 era um jovem com 18 anos, mas já consciente do que o rodeava: «O que existia antes do 25 de abril era uma verdadeira estupidez», descreve Albino Bárbara. Abril cumpriu porque possibilitou uma sociedade «aberta e pluralista», mas «fica a sensação de que liberdade, fraternidade e igualdade são um punhado de três palavras bonitas e sonhos não concretizados». Cortaram-se as amarras da opressão e construiu-se a igualdade de oportunidades, «mesmo que hoje o país conte com dois milhões de pobres, dois milhões com a reforma mínima e quase um milhão a viver do salário mínimo», vinca o guardense. Mas a esperança, essa, viverá sempre: «O 25 de abril trazia uma dose de esperança para o povo português que, independentemente de tudo, se mantém, pois, quer eles queiram quer não, os cravos continuam vermelhos». O cravo continua a ser a “arma” do povo, que transmite «vida, cor, pensamento, alegria, motivação e relevo, mesmo com um presidente sem perfil, um governo sem pés nem cabeça e políticos “pançudos” à custa de todos nós», assevera Albino Bárbara.

Por sua vez, Fernando Pereira declara que, «ao contrário do que muitos dizem, abril valeu a pena porque os indicadores de desenvolvimento mostram uma realidade completamente diferente» da que se vivia antes, nomeadamente no caso da mortalidade infantil e taxa de analfabetismo, entre outros indicadores. Uma das grandes vitórias foi o fim da guerra colonial: «O “Erasmus” de então era mandar milhares de imberbes jovens de 20 e poucos anos com uma arma na mão para regiões inóspitas e desconhecidas na defesa de um mito falacioso», lamenta o empresário, recordando que muitos tinham mesmo desfechos tráficos, «deixando ainda mais triste um país que, ao longo sua história, poucas vezes teve razão para sorrir de contentamento».

Apesar das conquistas de há 40 anos, «há razões de sobra para nos preocuparmos, porque se gritávamos que o futuro “passava por aqui”, hoje assistimos impotentes a um presente que nada tem a ver com o que festejámos», considera Fernando Pereira, que viveu «o 25 de abril de forma intensa e o período que se seguiu de uma forma militante e participada».

Eduardo Espírito Santo

«É preciso conquistar de novo os direitos que foram expropriados ao povo».

António Dias de Almeida

«Gostava que o espírito do 25 de abril conseguisse imprimir a revigoração da democracia».

Carlos Baía

«Portugal é uma democracia adulta e um país de liberdade».

Albino Bárbara

«O que existia antes do 25 de abril era uma verdadeira estupidez».

Fernando Pereira

«Hoje assistimos impotentes a um presente que nada tem a ver com o que festejámos».

Sara Quelhas Data histórica mudou incontornavelmente a realidade dos portugueses

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