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O Deus das Pequenas Coisas de Arundhati Roy

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No espírito do Ciclo de Conferências Não Formais – Aperto Libro – na Biblioteca Municipal da Guarda, apoiado pelo Departamento de Línguas e Culturas da ESTG, abordei o tema “Scents and Sounds of India”, de facto, uma exploração multi-sensorial inspirada em escritores deste sub-continente. Destaquei, entre outros livros, O Deus das Pequenas Coisas, mais pela criação abrangente de um mundo de sons e palavras totalmente credível do que pela sua tragédia graciosa.

No primeiro romance desta escritora indiana, formada em arquitectura e também colocada pela revista Vogue nas top 50 mulheres mais bonitas do mundo, Arundhati Roy constrói a casa para a família das personagens centrais: dois gémeos falsos de sete anos – Rahel e Esthappen – e Ammu, a sua mãe solteira cuja posição cria, desde o princípio, uma certa confusão para a sua família tradicional abastada num país que tem uma hierarquia estreitamente definida. Ficamos a conhecer o meio envolvente da família, desde os avós e tios, a cozinheira e os trabalhadores na fábrica familiar de pickles, até o carpinteiro da casta dos Intocáveis que lhes confecciona uma mesa da melhor qualidade. A autora, assim, descreve os sabores e os cheiros através de uma linguagem muito metafórica que abrange até a natureza, como mostra esta descrição:

O céu abriu-se e a água martelou a terra, reavivando o velho poço relutante, cobrindo de musgo o chiqueiro sem porcos, bombardeando um tapete de poças silenciosas cor-de-chá, como a memória bombardeia mentes silenciosas cor-de-chá. A erva pareceu satisfeita no seu verde húmido. As lagartas folgaram felizes na lama. As urtigas verdes acenaram. As árvores inclinaram-se. (pág.20)

Mas grande parte do livro retrata a perspectiva dos gémeos, como nesta citação de uma cena central em que Ammu exprime a sua frustração com o comportamento decidamente não britânico (logo “incorrecto”) dos dois:

– Se algum dia – disse Ammu –, ouçam bem, se ALGUM dia, qualquer que ele seja, me voltam a desobedecer em Público, eu trato de vos mandar para um sítio onde vocês vão aprender a portar-se lindamente. Está entendido?

Quando Ammu ficava mesmo zangada, dizia Lindamente. Linda Mente era uma mente funda como um poço com gente linda morta rindo-se lá dentro. (pág.139)

O fio da história traça sobretudo o dia do encontro dos gémeos com a sua prima Anglo-Indiana, Sophie Mol. A tragédia que daí advém já foi considerada por alguns a mais cruel de sempre, tratando temas como o sistema de castas, a riqueza, e o amor; aliás, este último acaba por pôr em dúvida todas as regras sobre ele inventadas, questionando não só quem é que deve ou pode ser amado mas também o quanto. A mãe solteira dos gémeos, afinal, é quem começa por desafiar as regras sociais na viragem para os anos setenta.

Curiosamente, a força da história não é o motor impulsionador da leitura deliciosa desta obra; mais importante ainda é o efeito que os acontecimentos terríveis travam em cada personagem, separada e em conjunto.

Por: María del Carmen Arau Ribeiro *

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