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«O desempenho desportivo depende do modo como os indivíduos ou equipas se adaptam aos contextos de competição e à sua variabilidade»

Cara a Cara – Bruno Travassos

P – Que significado tem para si ter sido distinguido com o prémio de Jovem Investigador “António Paula Brito 2012” da Sociedade Portuguesa de Psicologia do Desporto?

R – Foi muito bom receber este prémio, pois mostra o reconhecimento que o nosso trabalho está a ter junto dos mais conceituados professores e investigadores de Psicologia do Desporto em Portugal. São momentos como este que nos dão alento para continuar a investigar e a desenvolver novos projetos. Além disso, considero que estes prémios são bastante importantes por permitirem que a sociedade tenha conhecimento do trabalho que se desenvolve nas universidades, neste caso do bom trabalho que se faz no Departamento de Ciências do Desporto da UBI.

P – Estava à espera?

R – Quando preparamos uma comunicação para um congresso queremos sempre que seja a melhor e preparamo-nos tal como se fossemos para uma final de um campeonato do mundo. No entanto, não é o prémio que nos move, mas sim que a mensagem que queremos passar seja clara, potencie a discussão e permita que novas questões se levantem para o futuro. Foram apresentadas comunicações muito boas e, tendo consciência da qualidade do trabalho que desenvolvemos, não posso afirmar que estava à espera.

P – O prémio foi atribuído no âmbito da comunicação “A importância da conceção de tarefas representativas e análise da fidelidade de ação para a investigação e treino da tomada de decisão no desporto”. Qual pensa ter sido o fator diferenciador que lhe permitiu receber o prémio?

R – O trabalho que apresentámos resultou da articulação de dois estudos. O primeiro é uma meta-análise (compilação de estudos com o objetivo de resumir o resultado de estudos independentes) em que procurámos identificar como a alteração das tarefas experimentais pode mudar os resultados da avaliação da tomada de decisão, ou seja, a representatividade das tarefas. O segundo foi um trabalho experimental em que, tendo por base os resultados da meta-análise, mostrámos como poderemos medir a representatividade das tarefas, isto é, qual a diferença entre o comportamento observado na tarefa experimental ou de treino e a modalidade que pretendemos estudar. A combinação entre estes estudos, com grande aplicabilidade para a investigação e o treino, foram para mim os fatores que permitiram a obtenção deste prémio. No entanto, gostaria de destacar que, para mim, a capacidade de desenvolver trabalhos com melhor qualidade prende-se com a qualidade do grupo de investigação com quem trabalhamos, pois quando apresentamos um trabalho este já foi previamente discutido e amadurecido durante bastante tempo.

P – Considera que a psicologia já é utilizada da melhor forma na prática desportiva em Portugal ou ainda há trabalho a fazer nesta área?

R – Existem já alguns bons exemplos da intervenção da psicologia do desporto na prática desportiva em Portugal. No entanto, muito existe ainda por fazer no sentido de potenciar cada vez mais o rendimento dos jogadores.

P – O que pode ganhar a prática desportiva com a utilização da psicologia?

R – O desempenho desportivo depende do modo como os indivíduos ou equipas se adaptam aos contextos de competição e à variabilidade inerente a esses contextos. Deste modo, a caracterização dos contextos de competição, a identificação das informações relevantes para a ação, a compreensão do efeito dos fatores psicológicos no desempenho, a identificação dos fatores que distinguem peritos e não peritos ou como o seu percurso desportivo potenciou o seu desenvolvimento, bem como testar o efeito da manipulação de um dado exercício de treino no comportamento dos indivíduos ou equipas, são aspetos que carecem de um melhor entendimento para que a intervenção do treinador não seja apenas função do seu conhecimento empírico. Tal como acontece com um medicamento, importa saber quais os efeitos das intervenções dos treinadores a médio e longo prazo no comportamento dos indivíduos. Para isso é necessária não apenas uma maior intervenção da psicologia, mas também uma maior relação entre as diferentes áreas disciplinares de Ciências do Desporto.

P – Acumula funções de docência com as de técnico da equipa de futsal masculina da AAUBI e ainda de selecionador distrital de sub-15 e de sub-20. São duas áreas que concilia facilmente?

R – O único problema é em termos de tempo. No entanto, tenho tentado manter a ligação ao treino ao longo destes anos, pois estar no “terreno” permite-me ter maior sensibilidade para os problemas que os meus alunos terão no futuro e ao mesmo tempo os problemas que vou sentindo no treino são pontos de partida para novas investigações. Além disso, o treino também ganha com a atividade de investigação, já que muitas das vezes é aí que testo novos exercícios ou procuro perceber o efeito de novas intervenções.

P – P – É autor da primeira tese de doutoramento na área do futsal em Portugal. Como surgiu o seu gosto pela modalidade?

R – Surgiu quando estudava Ciências do Desporto na UBI. Desde sempre que a universidade teve equipas muito competitivas nesta modalidade e esse aspeto despertou a minha atenção para o futsal. Tal como eu, outros colegas de turma interessaram-se pela modalidade e começámos a jogar com regularidade e a tentar perceber melhor a modalidade.

P – Considera que devia haver mais clubes da região a apostar no futsal?

R – A modalidade tem todas as condições para crescer na região e no país. No entanto, crescer não significa ter apenas maior número de equipas seniores, significa aumentar a base de recrutamento na formação e potenciar a relação clubes-escola com o envolvimento do desporto escolar. Neste momento, existe um plano nacional para que isso aconteça, mas o seu sucesso dependerá em grande medida da vontade dos clubes, das autarquias e das escolas.

P – Gostava de ter a oportunidade de ser técnico de futsal a nível profissional ou prefere continuar a apostar na vertente de investigador?

R – Se possível, gostaria de poder continuar a desempenhar as duas atividades. Tal como é prática comum em Inglaterra, gostaria de aliar a minha investigação a uma atividade de consultoria num clube, colaborando com a equipa ou diretor técnico na implementação de novas ideais, na resolução de problemas da equipa ou na criação de estratégias para melhorar a forma de jogar. Neste momento, isso parece-me difícil em Portugal face às estruturas dos clubes. No entanto, em termos informais existem algumas relações que se vão estabelecendo com alguns treinadores de topo e começam a existir algumas solicitações para ajuda nalguns aspetos de análise e intervenção no jogo. Do mesmo modo, ser treinador profissional não será fácil perante as poucas possibilidades que existem no nosso país. No entanto, esse não é um problema que me preocupa neste momento. Vou continuar, sobretudo, a investigar e a produzir alguns documentos que permitam melhorar o conhecimento sobre o jogo e potenciar a ação dos treinadores e professores de Educação Física na modalidade.

Bruno Travassos

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        como os indivíduos ou equipas se adaptam aos contextos de
        competição e à sua variabilidade»

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