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O Debate Sobre Regionalização

Quebra-Cabeças

Bem diz o José Carlos Alexandre que devemos deixar-nos de tretas e assumir que o projecto das comunidades urbanas e afins é apenas uma versão recauchutada da regionalização. Na passada sexta-feira, no debate promovido no Hotel de Turismo da Guarda pelo “O Interior”, ouvidos os argumentos, foi precisamente essa a ideia que ficou e alguns dos participantes, como Leopoldo Mesquita, para além do já citado José Carlos Alexandre, fizeram questão de pôr o dedo na ferida.

O Secretário de Estado Miguel Relvas bem tentou fazer passar a ideia de que se trata de uma benfazeja “reorganização do território”, à qual teria já aderido mais de setenta por cento da população do pais, mas não conseguiu explicar cabalmente as vantagens deste modelo sobre o que o seu partido chumbou em 1998. Antes pelo contrário, subsistiram desde logo muitas dúvidas acerca da questão do défice democrático da solução agora aplicada, em contraponto com a anteriormente proposta e derrotada, mas que teve pelo menos a decência de ir a votos. Diz Miguel Relvas que as assembleias municipais e os autarcas, sendo democraticamente eleitos, são a garantia da legitimidade das comunidades urbanas, ou áreas metropolitanas, ou outras, que se venham a criar. Rogério Nabais não ficou muito convencido com a ideia e chamou a atenção para um pormenor importante: os autarcas que estão a negociar este processo não foram mandatados para isso pelos seus eleitores. Fernando Cabral aproveita também para perguntar pelo referendo e chama a atenção para a importância e gravidade do que se está a fazer, por exemplo em sede de reorganização do estado ou do desaparecimento da referência que ainda constituem os distritos. Ou agora os portugueses já não precisam de ser ouvidos? Miguel Relvas ainda corrige o tiro, chamando à colação o programa do governo, que assumia compromissos na área, mas não convence: afinal, de que eleições nasce a legitimidade democrática dos novos órgãos de poder que vão ser criados: das eleições autárquicas, das eleições para a Assembleia da República, do próprio texto da Constituição?

Outra questão muito discutida no debate, embora nem sempre directamente, foi a das “capitalidades”. O professor Guedes de Carvalho, da Covilhã, teve a gentileza de sugerir a criação de comunidades policêntricas, embora em sede de tese geral, o que agradaria à Guarda na eventualidade de uma associação com a Cova da Beira. Carlos Pinto, no entanto, mostrou rapidamente ao que vinha quando disse que o presente processo implica perda de capitalidades e quando brindou os presentes com a sibilina deixa de que “há quem se deslumbre com as mordomias de capital de distrito”. A ideia que ficou foi, obviamente, que a Covilhã se prepara para exigir o título de capital de qualquer comunidade em que fique inserida.

A um mês do termo do prazo, continuamos sem saber para que lado vai cair a Guarda. Maria do Carmo Borges pouco adiantou e ficámos a saber ainda menos sobre a posição oficial do PS quando Esmeraldo Carvalhinho veio corrigir as declarações da Presidente da Câmara. Entretanto, Fernando Ruas tinha advertido que pretendia para Viseu uma Grande Área Metropolitana e sugerido que esta só seria possível com recurso a concelhos do Distrito da Guarda, embora não pretendesse “roubar concelhos aos outros”. A verdade é que Viseu confronta com Coimbra e Aveiro e, se quer “espaço vital” vai ter de o ir buscar a algum lado. Por exemplo à Guarda.

Os vários participantes foram desenhando nas suas intervenções os vários eixos em redor dos quais se poderia desenhar, com maior proveito, uma qualquer comunidade que abrangesse os distritos da Guarda e de Castelo Branco. Falou-se da A23 (Miguel Relvas, Pina Moura), da Raia (Maria do Carmo Borges), da “corda da Serra” (Lemos dos Santos, Maria do Carmo Borges). Curiosamente, não ouvi falar do “eixo do IP5”. Ana Manso, em clara contagem de espingardas, quase faz o somatório dos dois distritos (Guarda e Castelo Branco) para sonhar com uma Grande Área Metropolitana, mas acaba por lamentar a sua impossibilidade por culpa, sugere, da falta de liderança da capital de distrito (da Guarda) e da incapacidade de alguns “autarcas retrógrados”. Gostaríamos todos de ouvir sobre o assunto o presidente da Câmara de Castelo Branco, mas este não estava, o que é significativo.

Dentro em breve será discutida na Assembleia Municipal da Guarda a postura do concelho em relação a tudo isto. É certo que os senhores deputados municipais não foram mandatados por nós para uma decisão desta importância, mas vão ter na mesma de a tomar. Uma decisão que irá vigorar por cinco anos e que poderá ajudar a desmantelar de vez o que resta do Distrito da Guarda. As poucas certezas que há consistem em que a Guarda não se pode dar ao luxo de ficar sozinha e que se arrisca a ser canibalizada, seja a norte, seja a sul, se aparecer sem ideias concretas e se negociar sem carácter.

Por: António Ferreira

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