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“O Combate” de um republicano

Anotações

Esta edição de “O Interior” coincide com a passagem do aniversário natalício de uma das principais figuras republicanas da Guarda: José Augusto de Castro.

Natural do concelho da Mêda, concretamente da freguesia da Prova, José Augusto de Castro nasceu a 22 de janeiro de 1862. Durante a meninice, num ambiente marcadamente rural, aprendeu com o seu progenitor o ofício de alfaiate, profissão que lhe granjeou o sustento, a par do apoio à família, quando – com apenas 14 anos – foi para o Porto. Nessa cidade, fruto dos contactos que manteve, e do ambiente político que se vivia, foi crescendo a sua simpatia e interesse pela causa republicana.

Em 1886 José Augusto de Castro voltou para junto da família, que residia, então, na aldeia do Vale (Mêda) mas ali ficou por pouco tempo, decidindo partir para o Brasil, onde estava estabelecido o seu irmão mais velho. Os seus primeiros trabalhos jornalísticos são escritos na Baía, cidade onde singrou no ramo comercial; ainda em terras brasileiras «tomou parte ativa na questão da escravatura»; nesse país estava em novembro de 1889, aquando da proclamação da República Federativa.

«No Brasil, embrenhava-se pelas bibliotecas, aprofundando os conhecimentos de História Universal e detendo-se em cada país e religião. A sua curiosidade e o desejo de se instruir não tinham limites pois castro era um homem preocupado com as injustiças do seu tempo. Verdadeiramente autodidata, procurou adquirir conhecimentos estruturantes, ao mesmo tempo que se afirmava no jornalismo e na literatura». Escreveu Américo Rodrigues no seu excelente livro “José Augusto de Castro: O Idealista Rebelde”, obra indispensável para o conhecimento deste republicano guardense.

Atingido pela tuberculose veio para a Guarda. «É como um Santuário, a Guarda. Vêm aí acolher-se milhares de crentes da Religião da Esperança, pedindo o restabelecimento da saúde e da vida; a volta do seu sonho interrompido e que enxugue os olhos donde correm lágrimas», refere em “Terra Sagrada”, uma dos seus mais conhecidos livros.

«A crueldade do Destino não impediu que me envolvesse a bondade de amigos de nobilíssimo coração, a começar pelo Dr. Lopo de Carvalho, o ilustre médico, especialista da tuberculose, que tomou a peito arrancar-me da garra dilaceradora doença temerosa». Grato ficou também ao Dr. Amândio Paul, segundo diretor do Sanatório Sousa Martins. «É dos amigos que vivem no mais íntimo do meu coração há muitos anos, desde que a minha alma se prostrou de joelhos diante dele na ânsia dolorosa de que salvasse da morte o meu primeiro filho, pequenino».

Este foi um período que o marcou profundamente, dele tendo ficado numerosas referências na sua produção literária. «Tuberculosos: – Eu também fui presa/ dessa doença, triste, temerosa./ Sumiram-se os meus sonhos cor-de-rosa,/ cobriu-se o céu de nuvens de tristeza». No mesmo poema confidenciava que «foram anos de luta pavorosa,/ porém um dia o triunfo canta e reza».

Na Guarda fundou, em 1904, “O Combate”, jornal que consubstancia a sua personalidade, espírito combativo e no qual foram publicados textos de grande valor. «Eles são a “quase – saturação” do panfletário, da ideologia e da doutrinação. Jornalismo sectário e, por isso, muito comprometido. Um jornalismo de causas. Porém, bem redigido», como comentou J. Mota da Romana.

A sua intervenção e análise política não se circunscrevia à realidade local e regional; nas “Cartas à Rainha” aludiu, entre outros factos, ao regicídio. «Quem matou vosso esposo e vosso filho não foram esses três homens que a vossa polícia trucidou, foram esses homens funestos a quem o vosso esposo encarregou do governo d’um povo, governo que eles fizeram de corrupção, de terror, de infâmia e maldade. Não há aí assassinos, há três almas que se condoem, se indignam, se alucinam para o sacrifício próprio, diante dos sofrimentos inflingidos por malvados a centenas de mártires». Sublinhava nas palavras dirigidas à Rainha D. Amélia.

No campo político contrário o alvo principal era o semanário católico da cidade, “A Guarda”. «O diálogo semanal entre estes dois jornais, assinado por gente de alto coturno mental, foi, durante anos, espelho do confronto ideológico no país que somos», anotou J. Pinharanda Gomes.

A implantação da República foi assinalada, em “O Combate” com grande e justificado entusiasmo. «Ah! Finalmente nos horizontes da terra portuguesa ergue-se o clarão redentor. O sol eleva-se soberbo! A Natureza colabora com os republicanos na obra redentora. Sol esplêndido! Como nós te saudamos, nós que te vimos esperando há quase seis anos para neste jornal te saudarmos. Que sejas, assim, magnífico e bendito para nos cobrires do teu calor fecundante, da tua luz gloriosa, erguendo a Pátria das trevas onde há muito agonizava, acordando-a do pesadelo que a oprimia».

Tendo desempenhado as funções de secretário da Câmara Municipal da Guarda (a par de outras atividades nesta cidade), José Augusto de Castro dirigiu “O Combate” até novembro de 1931. Posteriormente foi viver para Coimbra, onde morreu a 13 de maio de 1942.

Para além do seu exemplo ímpar de republicano íntegro, de «idealista rebelde», jornalista combativo e de autor de admiráveis textos publicados na imprensa, deixou obras como “Terra Sagrada”, “Árvore em Flor”, “Exaltação e Nuvens”, “Cartas à Rainha Srª D. Amélia de Orleães”, “Os Rebeldes”, “O Bispo”, “O Inimigo” e “Labaredas”. Os seus restos mortais foram transladados em setembro do ano seguinte para a Guarda, a cidade que ele sempre distinguiu.

«Outras terras mais lindas há, de certo…/ Porém nenhuma fica assim tão perto/ do puro azul do céu de Portugal». Noutro dos seus poemas levou mais alto o seu amor pela cidade: «Basta subir ao seu Castelo,/ ver esse panorama vasto e belo,/ – que mais belo não o há na terra inteira!»…

Por: Hélder Sequeira

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