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O Circo Democrático

Selecção Natural

O primata da Atlântida tem um acordo tácito com este país e que, valha a verdade, tem cumprido escrupulosamente: para gáudio da plateia e para combater a proverbial tendência depressiva da nação, aparece periodicamente no galho mais alto, perdão, nos media e, aclamado pela assembleia, dá início ao seu one monkey show (perdoem o trocadilho fácil, mas não resisti). Depois de distribuir mais umas bananas pelo clã, debita então uns soundbytes que vai tirando da cartola – que usa como sinal distintivo da sua preponderância – enquanto bate furiosamente na barriga, apontando para leste, terra dos macacos grandes que, supostamente, querem disputar a ilha da sua tribo e roubar-lhe a comida. Cada gesto mais expressivo, ou cada onomatopeia mais desafiadora, são imediatamente reproduzidos pelos macacos dos galhos inferiores, numa sintonia unânime e típica, temendo que, se não o fizerem, ficarão excluídos na próxima distribuição de bananas.

Entretanto, e enquanto duram estes rituais, os humanos da ilha, não dispondo ainda de meios para a criação de uma reserva natural para fixação dos símios, vivem aterrorizados e amordaçados de todas as formas e feitios.

A história é sobejamente conhecida, tendo-se tornado mesmo objecto de estudo por paleontólogos e pseudólogos (pseudologia, ciência do quimérico, do falacioso). Há até quem afirme que Platão, em A República, deveria ter previsto mais esta modalidade de perversão totalitária, criada e alimentada pela democracia, algures na Atlântida.

Mas veja-se com maior detalhe a última homilia do celebrante macaco-chefe: desta vez exige a criação de um sistema judicial “regional”, uma espécie de foro privado convenientemente inspirado por costumes locais e formado por macacos às ordens do chefe. Deste modo, a distribuição de bananas permaneceria intocada, os macacos do continente já não poderiam vir pedir contas e os macacos de todo o mundo teriam ali uma zona franca para poder trocar todo o tipo de bananas, sem que ninguém colocasse questões incómodas. Bravo! É de mestre! Atenção pseudólogos! Mesmo os piratas e flibusteiros de antanho, quando criaram uma rede global de “redistribuição” da riqueza, ao arrepio de todas as leis conhecidas, nunca deixaram de criar as suas, para uso interno: simples, cruéis e de uma lógica desconcertante. Em todo o caso, essas regras eram escrupulosamente aplicadas. Sem excepções.

Ora, no nosso exemplo, a ideia seria desmantelar a última forma independente de controlo das tropelias simiescas do chefe y sus muchachos, visto que o controlo e a responsabilização por via política já deixaram de existir há muito. As portas ficariam abertas para o último passo: um regime de excepção, apto a assegurar a inimputabilidade permanente e vitalícia do seu líder.

Mas azar dos azares, as plateias menos desatentas já deixaram de se impressionar com estas macacadas. E já aprenderam que o show off esconde o medo e a insidiosa chantagem. E que esta mais não é do que a preclara antecipação de mais umas dotações extra para financiar a bananada local. Enviadas por correio expresso pelos macacos do continente, num assomo magnânimo e liberal. Como uma mesada que um pai desiludido já deixou de fazer acompanhar de prosélitas recomendações de bom comportamento, mas que, sem dúvida, ainda aliviavam a consciência de assim estar a alimentar a irresponsabilidade e o desvario. Até ver.

Por: António Godinho

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