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O cão

O cão arranca-me aos braços de Morfeu. Ladra, ladra como se não houvesse amanhã. Porquê? Que palavras caninas estará ele a enviar ao vento? Ninguém lhe responde, mas ele é persistente. Mas porquê à minha janela? Porque não te calas? Enfio a almofada por cima da cabeça, mas não serve de muito. Três e meia da manhã… O sono mais importante já foi… Mas aquela voz metálica insiste em martelar-me a cabeça. Será que vou ter que me levantar? Recordo-me há vinte anos, quando lecionava no Barreiro, de uma situação semelhante com um galo. O desgraçado achava que o dia raiava às quatro da manhã… cocorococóóóóóó!!! Quatro da manhã!!! O bicho, à semelhança deste meu amigo canino, parecia o Hugo Chavez… E eu o Juan Carlos… “porque no te callas!” A situação só se resolvia quando eu me levantava e, ligando a mangueira no quintal contíguo a sua excelência, o regava abundantemente até que o bicho, na sua natural estupidez avícola, se ia calando à medida que a água lhe chegava aos ossos. É claro que pegar no sono depois de uma tortura sonora daquelas não é fácil e as olheiras pela manhã não me deixavam mentir. Felizmente cortaram-lhe o pio após várias confrontações que eu tive que ter com o legítimo proprietário. “Não se preocupe vizinho que vai já para a panela no Natal”. E, a partir daí, a paz voltou àquela rua na Quinta do Conde.

Agora é este canzarrão, arraçado de Golden Retriver, que me anda a azucrinar. Simpático, o bicho, durante o dia, mas à noite não há quem o ature. Vou ter mesmo que me levantar. De pijama, um frio do caraças, saio pela porta de trás para o apanhar em flagrante delito. Lá estava o artista de peito feito falando como um louco para as paredes de uma noite gelada. Um calhau enfurecido corta o ar frio e passa-lhe a centímetros, os suficientes para o porem a correr atrás do rabo para longe dali. Deito-me, mas o ritmo cardíaco demora a sossegar. Mais uma noite mal dormida.

Respeito, por princípio, todos os animais, mas a liberdade deste para ladrar colide com a minha para ter uma reparadora noite de sono. Nos meus pensamentos mais selvagens, “not animal friendly”, correm-me imagens de uma caçadeira, um rocket, um arpão, qualquer coisa que pudesse disparar com o pensamento para pôr fim àqueles latidos.

Obviamente que os grandes culpados de situações como esta são os donos e não os animais. A jurisprudência da boa vizinhança manda que os nossos animais de estimação não invadam a privacidade dos vizinhos ou condóminos. Recordo-me, há uns anos, de um conhecido que me abordou perguntando-me se sabia de algum terreno para construir a sua casa, uma vez que não aguentava mais os cães do vizinho. É lamentável que situações destas aconteçam. Saber estar em sociedade também passa por sabermos controlar os nossos animais de estimação. Então, e o que se faz a um cão que não para de ladrar? Tapa-se-lhe a boca? Não podendo fazer isso o dono só pode guardá-lo em casa, confinando-o, por exemplo, a uma divisão, mas acima de tudo educando-o para saber estar. Conheço alguém que, sendo caçador e tendo meia dúzia de cães, sabendo “à priori” dos problemas que um canil nas traseiras da casa poderia dar à vizinhança, se acautelou e, com engenho, ligou um interruptor na cabeceira da cama, a um fio que aciona um aspersor de água gelada no seu canil. Desta forma inviabiliza, em segundos e ao toque de um botão, qualquer conversa ou altercação que aí ocorra entre os canídeos, sem sair da cama e prosseguindo com o seu sono e permitindo que a vizinhança também o faça. Quem me dera ter um interruptor destes mas na versão míssil térmico teleguiado! Exagero à parte, porque seria incapaz de abater um animal só por causa disto, no que a mim me toca, tenho uma simpática labrador que dorme desde a primeira noite na garagem e a única vez que ladrou durante a noite foi por se ter sentido indisposta, mas apenas acordou o dono e, acima de tudo, nunca incomodou a vizinhança com cantorias noturnas.

Por: José Carlos Lopes

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