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«O caminho no futuro é a diversificação das fontes de financiamento para não estarmos dependentes das restrições orçamentais do Estado»

Entrevista a João Queiroz, reitor da Universidade da Beira Interior

Reitor da Universidade da Beira Interior desde 2009, João Queiroz percorreu com a instituição os seus 27 anos de história, que serão celebrados na próxima terça-feira. Com uma vasta carreira na docência (Bioquímica e Biotecnologia) e em cargos de responsabilidade, João Queiroz já assumiu que quer continuar à frente da UBI mais quatro anos. O ensino, a região e o futuro são os destaques de uma conversa que olha o passado e questiona o futuro de um projeto que continua a querer mostrar-se além-fronteiras.

P – A Universidade da Beira Interior (UBI) comemora 27 anos. Numa altura em que o Estado está a cortar e a desinvestir no ensino superior, com o que é que poderá contar a universidade?

R – O Orçamento de Estado (OE) tem vindo a diminuir significativamente. Nos últimos anos houve um corte de mais de 25 por cento. A universidade tem tido a sorte – e a inteligência – de conseguir aumentar e diversificar as suas fontes de financiamento. Além das propinas e da prestação de serviços – que diminuiu um pouco –, temos captado um financiamento razoável com projetos, o que tem permitido realizar mais tarefas com menos dinheiro do OE. Se o Governo cortar mais coloca em grandes dificuldades o funcionamento e a vitalidade do ensino superior. Gostaríamos de ter maior flexibilidade na gestão dessas receitas para podermos catapultar e capturar mais financiamento e mais projetos.

P – Até que ponto é que esta situação perturba o bom funcionamento de uma instituição do ensino superior?

R – A universidade quer sempre mais projetos e fazer mais atividade. A UBI tem sido chamada a interagir com a sociedade, quer com a cidade da Covilhã quer com o país. O mais difícil de gerir, enquanto reitor, não tem sido a diminuição do OE – que também é difícil – mas a perda de autonomia na gestão dos fundos próprios.

P – Concorda que o despacho de Vítor Gaspar paralisou o ensino superior?

R – Parou completamente a UBI, que foi condicionada em compromissos que poderia assumir por via das suas receitas próprias. No fundo, parou uma série de atividades por não poder assumir novos compromissos e não ter autorizações efetivas. Se for reposto dentro de dias, como todos pensamos, poderemos retomar rapidamente a atividade normal. Mas, se perdurar mais tempo, deixamos de poder assumir os compromissos que contratualizámos com as entidades financiadoras.

P – Quais terão sido os momentos chave nestes 27 anos de UBI?

R – Estou como reitor há quatro anos mas sou docente há 27. Há vários momentos… Há um inicial em que era preciso afirmar o projeto e fazê-lo crescer. Depois há um momento que considero chave que foi a criação do curso de Medicina e da Faculdade de Ciências da Saúde (FCS), que foi de crescimento, de consolidação e de geração de oportunidades para a UBI. Estes quatro anos foram de consolidação da qualidade na investigação; queremos cada vez mais e melhor investigação e mais competitiva. Mas também na qualidade dos serviços, na certificação dos cursos e na obtenção de reconhecimento internacional dessa qualidade – como conseguimos obter recentemente.

P – O UBIMedical está pronto. O que ganham a UBI e a região com este equipamento?

R – Temos tentado combater a interioridade. Os alunos, docentes e projetos que temos de âmbito internacional são cada vez mais e a UBI tem crescido e amadurecido em função disso. O UBIMedical é o primeiro passo de uma série de passos que considero que deveríamos fazer. É uma estrutura física que vem consolidar um projeto de interface entre a UBI e o meio exterior; o que vamos fazer naquele edifício é investigação e prestação de serviços. E também fazer incubação de empresas, começar com pequenas empresas com pessoas da UBI, que quando crescerem possam sair. A UBI tem produzido muito conhecimento e os indicadores têm mostrado isso: as publicações, patentes e projetos têm aumentado e isso foi reconhecido. Nós podemos contribuir para a fixação de recursos humanos qualificados na Beira Interior, e esse é o grande projeto com que a UBI tem colaborado.

P – Há algum grande projeto que esteja neste momento estruturado?

R – A prioridade do próximo ano é o arranque do UBIMedical. Vai ser inaugurada uma estrutura física, temos o concurso público internacional das bancadas, secretárias, equipamento… Comprámos já equipamento específico para os laboratórios, temos negociações com empresas e pessoas que se vão fixar ali. Este é o grande projeto a curto prazo. Obviamente que a UBI – e eu próprio –, com base naquilo que é o plano estratégico da universidade até 2020, tem uma série de objetivos e ações concretas a alcançar.

P – Voltando atrás, qual é a percentagem de fundos próprios da UBI no “bolo” do orçamento?

R – Em 2012 a nossa capacidade de autofinanciamento foi de 43 por cento. No geral, o orçamento é de 23, 24 milhões de euros, dependendo dos anos, sendo que este ano foi cerca de 20 milhões e o ano passado foi um pouco mais. A UBI usa esse dinheiro para pagar os ordenados e não chega, tem de ir buscar cerca de 50 por cento das propinas. No resto, a UBI funciona com base em projetos, receitas próprias, captação de contratos de investigação e projetos internacionais. Isso é que tem dado dinâmica e atividade… O caminho no futuro é a diversificação das fontes de financiamento para não estarmos dependentes das restrições orçamentais do Estado.

P – Como é que o reitor da UBI vê o ensino superior na Beira Interior?

R – Com alguma preocupação em termos da captação de alunos e até da forma como poderemos ter projetos de elevada qualidade. Na UBI, a preocupação tem sido manter o número total de alunos, e felizmente nunca diminuímos. Mas temos algumas situações frágeis e que podem ser desequilibradas pelas grandes universidades das grandes cidades se houver alguns erros ou desajustamento em termos de orçamento.

P – Poderá caminhar-se para uma agregação entre a universidade e os politécnicos?

R – Depende do poder político e daquilo que são as orientações estratégicas para o país: que alunos quer formar, quantos graduados quer ter, em que ano, e quais as estratégias do Governo. Cada vez estamos a cooperar mais; e cooperar significa ter projetos conjuntos e aumentar sinergias.

P – Qual o peso dos alunos estrangeiros na UBI?

R – Atualmente a UBI tem cerca de 7 mil alunos. Temos algumas centenas que se vão somando da Europa – principalmente Espanha e Polónia – e doutros países. Há todo o tipo de alunos nos diferentes ciclos, com objetivos completamente diferentes. Há três anos tínhamos 20 alunos do Brasil e agora temos mais de 100. Temos aumentado significativamente o número de alunos e investigadores que vêm de fora; conseguimos não só articulação da UBI com os organismos congéneres no Brasil, mas sobretudo com instituições bancárias. Por exemplo, o Santander concede algumas dezenas de bolsas para alunos brasileiros virem para a UBI e vice-versa.

P – O caminho será esse, visto que a barreira demográfica faz com que haja cada vez menos jovens em idade de ingressar no ensino superior…

R – Há dois caminhos. Um deles é abrirmos cada vez mais as portas e cooperarmos a nível internacional, pois há muita gente com interesse em vir para Portugal, pelo que a UBI tem de apresentar um projeto aliciante para eles. E há outra forma, visto que os alunos vêm de outras zonas do país para estudar especificamente na UBI. Há qualidade e projetos que se distinguem de outras universidades e que fazem com que os alunos prefiram fazer aqui o seu curso.

P – Considera que há cursos a mais no ensino superior? Acha que estes se repetem?

R – Não. Acho que a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) tem feito um trabalho digno e meritório na reorganização da oferta formativa, criando critérios mínimos para atribuição de qualidade e reorganizando essa dispersão que havia. Mais que o número ou designação dos cursos, que está mais uniforme, é preciso saber se os cursos têm ou não qualidade para funcionar e formar profissionais. Se tiver cursos com elevada qualidade e conseguir ter alunos para eles, todos temos de nos congratular. A UBI tem mais de 110 cursos acreditados e registados na A3ES; parece-me que tem havido estabilidade na oferta formativa da UBI.

P – Disse que a Universidade da Beira Interior tem cerca de 7 mil alunos. Em média, quantos alunos ingressam por ano na UBI?

R – Nestes quatro anos nunca houve diminuição de alunos; o aumento é muito ligeiro, se calhar nos últimos dois anos aumentámos 200 alunos, mas aumenta sempre. A UBI oferece mais de 1100 vagas no concurso de acesso, há dois anos teve um preenchimento superior a 90 por cento, e no ano passado foi ligeiramente inferior por causa de dois cursos que correram mal. Um deles foi Filosofia, que já tem corrido mal nos últimos três anos, pelo que resolvemos apostar em Ciências da Cultura, que espero que capte alunos. Quanto ao curso de Engenharia Civil, este foi convertido em mestrado integrado, o que só é permitido a cursos de elevada qualidade. Foi registado na ordem dos engenheiros com o selo da Eur-Ace… Correu mal a nível nacional e portanto diminuímos o preenchimento das vagas. Na UBI temos todos os anos 1300, 1400 alunos. Isto porque admitimos alunos “maiores de 23”, transferências, mudanças de curso, entre outros. No meu ponto de vista, o que correu mal foi a captação para mestrado. Houve muitos alunos que acabaram o 1º ciclo e, por dificuldades económicas ou por outras circunstâncias, não houve uma passagem significativa para o 2º ciclo. Mas no doutoramento aumentámos ligeiramente.

P – Os doutoramentos em Arquitetura e Letras “chumbaram” na apreciação de cursos da A3ES. Estão a ser preparadas propostas para que seja possível continuarem?

R – Isso era esperado; quer num caso quer noutro é sintomático e o problema é o mesmo. Tínhamos um projeto de doutoramento sustentado em professores com qualificação adequada e não numa unidade de investigação organizada. O curso de Arquitetura foi criado recentemente, tinha professores a fazer investigação em unidades por esse país fora, mas aqui não tinha nenhuma unidade ou polo. No caso de Letras foi igual. Na minha opinião, a melhor forma seria organizar um polo de uma unidade de investigação a nível nacional como fizemos na Sociologia, por exemplo, em que criámos um grupo e uma unidade do ISCTE, que dá suporte ao doutoramento.

P – Como está a funcionar a articulação com os três hospitais e até que ponto os diferentes comentários públicos e polémicas que há face a algumas especialidades vão prejudicar, ou não, a articulação?

R – O projeto da FCS-UBI – e da Medicina em concreto – nunca será viável se não tiver a colaboração dos três hospitais e dos centros de saúde. Não há dimensão crítica nem qualidade suficiente num único estabelecimento se não houver uma conjugação de esforços. Há alguns problemas de articulação, se calhar até políticos, mas na semana passada houve uma reunião com os diretores das duas ULS, do CHCB e da administração dos centros de saúde da Cova da Beira para refletir e definir medidas concretas futuras.

P – A Guarda e Covilhã continuam juntas nas Beiras e Serra da Estrela mas Castelo Branco fica fora desta comunidade intermunicipal. Não vai alterar essa dinâmica?

R –Esperamos que não, isso não foi obstáculo e espero que os alunos da FCS continuem a poder beneficiar da ULS de Castelo Branco. No caso do ensino superior, talvez vá afetar ligeiramente a existência de projetos conjuntos da UBI com os dois politécnicos. Se calhar no futuro haverá mais candidaturas conjuntas com a Guarda porque estamos na mesma NUT e poderemos concorrer ao mesmo tipo de projetos.

P – Uma maior autonomia da universidade poderá ser uma mais-valia para combater a interioridade?

R – A UBI foi uma boa gestora de fundos nos últimos anos: não tem dívidas, não contraiu empréstimos, cumpriu sempre as suas obrigações e todos os anos tem mais receitas do que despesas. E temos vindo a depender cada vez menos das transferências do OE. A autonomia que peço é maior flexibilidade para cumprimos a nossa missão. Não gosto muito do tema interioridade, é reflexo de algum pessimismo, apesar de eu reconhecer que temos algumas limitações pela localização e pela queda demográfica da região onde estamos. A internacionalização foi um projeto forte nos últimos anos e vai continuar a ser… Não quero combater a interioridade, quero é fixar recursos humanos, quero ter mais empresas, quero colaborar mais com as empresas que já temos…Quero a UBI mais aberta para o mundo porque se ficarmos mais fortes vamos fazer com que a região fique mais forte. O Data Center da PT é um projeto exemplo da cooperação entre uma universidade e uma empresa. A PT vai apresentar um projeto mas quer que a universidade colabore na resolução dos problemas e no funcionamento. Todos os dias somos chamados a fazer ajustamentos nos conteúdos do programático do mestrado em Engenharia Informática e a fazer uma pós-graduação para ter formação específica para os graduados que terão entrada quase automática na empresa. Temos sido cada vez mais procurados, há projetos a serem instalados na região que têm procurado a UBI e este é o caminho que a universidade vai seguir.

P – O que é que o reitor já fez pela UBI?

R – Muito trabalho e muito suor mas principalmente acho que abri muito mais a UBI à região e à sociedade, o que significa que a universidade tem dado outro contributo e tem tido outra visibilidade. Não tenho dúvidas disso pelo impacto e pela qualidade dos projetos que conseguimos trazer, alguns institucionais, como é este da UBIMedical, mas outros até de professores e do incentivo que lhes damos. Pela primeira vez na história da UBI, um projeto do 7º Programa- Quadro – que vale 5.500 milhões de euros – é liderado por um professor da UBI. Isto é fruto de uma política de incentivos e de uma liderança que é preciso afirmar.

P – Está otimista em relação ao futuro portanto…

R – Estou otimista porque tenho muitas ideias, ações concretas que acho que é possível fazer… Implementámos e mudámos muita coisa em quatro anos mas há projetos que têm de continuar. Há espaço para agarrar oportunidades que nos permitam ir no caminho da qualidade, de mais e melhor investigação, de maior captação de fundos, de uma maior ligação entre o ensino e investigação e de uma maior ligação da UBI à região onde está inserida a todos os níveis.

P – Pelo meio também haverá pedras no sapato… Quais foram os percalços deste percurso recente, o que tem corrido menos bem na UBI?

R – Há questões que não foram bem entendidas e em que me penalizo a mim próprio. Houve uma mudança na forma da universidade portuguesa estar e viver o seu dia-a-dia. Implementámos um novo regime jurídico, novos estatutos na universidade, ajustamentos e equilíbrios na gestão entre o reitor e as faculdades, entre as faculdades e os departamentos… Tivemos um novo estatuto da carreira docente universitária e tivemos de aplicar regulamentos que interferem com o dia-a-dia dos professores. O que correu menos bem foi a forma de instalar esta nova visão para a UBI. Reconheço que hoje faria os ajustamentos de outra forma mas ainda se vão fazer e terão de ser feitos, por exemplo, na relação hierárquica e institucional em termos de competências das faculdades e dos departamentos.

P – Se não for reeleito como reitor, continuará na UBI? Com que papel?

R – Como professor. E assumo que não voltarei a assumir cargos de responsabilidade administrativa, uma vez que já passei por todos.

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Perfil

Nasceu na pequena aldeia de Vale da Mula, no concelho de Almeida, há 48 anos. A adolescência viveu-a na Guarda até ingressar na Universidade na Coimbra onde estudou Bioquímica. Está na UBI desde o início, há 27 anos. Eleito Reitor em 2009, João Queiroz é professor catedrático desde 2003 e ocupou diferentes funções na organização, nomeadamente a presidência da Faculdade de Ciências da Saúde e do Centro da Investigação em Ciências da Saúde. É membro da Comissão Permanente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e da Comissão Executiva da Fundação das Universidade Portuguesas; e preside à Assembleia Geral do Instituto Casa de Mateus e do Laboratório Associado (Instituto de Telecomunicações). No pouco tempo que sobra, João Queiroz viaja e aproveita para «não fazer nada».

Luis Baptista-Martins

Sobre o autor

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