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O bom exemplo da Finlândia

Portugal, ou, pelo menos, os governos de Portugal, têm manifestado uma certa obsessão em imitar países como a Irlanda e a Finlândia. Copiar o “modelo” de desenvolvimento desses países parece ser para os nossos governantes a forma mais rápida de aproximar Portugal dos níveis de desenvolvimento da União Europeia. A ideia de copiar outros países europeus mais desenvolvidos é antiga, vem pelo menos do século XIX. A obsessão com a educação, que também já é muito antiga e não impede que o nível de iliteracia em Portugal atinja ainda hoje valores elevadíssimos, tem certamente contribuído para a referência, muito comum entre os nossos políticos, do exemplo da Finlândia – o país com taxas de leitura mais elevadas do mundo, mas também com um elevado domínio nas ciências, nomeadamente, matemática e tecnologias da informação, e também da língua inglesa.

A relação entre crescimento e educação tem sido bastante discutida. Os países mais desenvolvidos tendem a apresentar indicadores do nível de educação da população mais elevados. O problema é saber qual é a relação de causalidade que explica esta correlação positiva: será que maior educação origina maior crescimento? Ou será que é o maior crescimento que possibilita atingir níveis mais elevados de formação? Se a resposta ao problema for a primeira, então um país que se queira desenvolver poderá fazê-lo investindo em educação. Se a resposta ao problema for a segunda, então teremos que procurar a cura para o fraco desempenho económico noutro lado.

Uma visão – que não é nova, mas tem ganho muitos adeptos ultimamente – relaciona o crescimento dos países com a qualidade das suas instituições. O funcionamento da economia de mercado, que a história do século XX mostrou ser fundamental para o aumento da riqueza dos países, não é possível sem a existência de um enquadramento legal e dos meios que tornem esse enquadramento efectivo. Os comportamentos ilegais são mais comuns nalguns países do que noutros. Alguns estudos, por exemplo, o Índice de Opacidade publicado pelo MIT, colocam a Finlândia nas melhores posições, ficando Portugal bastante distante. Ou seja, não é apenas nos índices da educação que estamos atrasados em relação à Finlândia. Um exemplo destas diferenças entre Portugal e a Finlândia ficou evidente há cerca de dois anos quando um aluno de uma universidade portuguesa a frequentar o Programa Erasmus, foi expulso da Universidade de Helsínquia por ter desrespeitado as regras de conduta num exame: foi apanhado a copiar. A posição da universidade finlandesa, na altura, foi muito clara: cortou relações institucionais com aquela Universidade portuguesa. O aluno, que teve um comportamento reprovável e prejudicial para os colegas (que deixaram de ser recebidos na Finlândia), não foi expulso da Universidade portuguesa em que se encontrava matriculado.

Esta não é uma diferença de somenos entre os sistemas de ensino dos dois países. A corrupção e o incumprimento das normas têm custos importantes para as sociedades. Em primeiro lugar, a sociedade tem de gastar mais recursos em actividades relacionadas com a justiça. Em segundo lugar, uma parte significativa dos recursos humanos dedica-se a actividades ilegais, e a expedientes para contornar a lei, em vez de se ocupar em actividades úteis à sociedade. Finalmente, a impunidade dos infractores reduz os incentivos para que os outros elementos da sociedade tenham iniciativas que contribuam para o bem-estar geral. No caso do estudante-cábula, a sociedade tem ainda o custo de gastar recursos a “educar” alguém que não aprendeu o que devia aprender, ou seja, é mais um exemplo de dinheiro público mal gasto.

A estratégia do governo português, de usar a Finlândia como referência, parece assim fazer sentido. No entanto, não nos podemos limitar a decretar o ensino de excelência da matemática, do inglês e da informática e a afectar-lhe generosos recursos financeiros. O sucesso desta estratégia só será possível com uma cultura de trabalho e de responsabilidade, num contexto institucional que forneça os incentivos adequados. Por outras palavras, a grande questão é: como transformar as instituições portuguesas de forma a promoverem efectivamente o desenvolvimento do país? Para que isso aconteça é necessário que as instituições funcionem de forma transparente e eficiente, reduzindo as oportunidades para a corrupção e a fraude. Para o problema das fraudes na realização de exames, uma solução possível, ainda não prevista nos regulamentos das universidades portuguesas, seria estabelecer uma regra: quem for apanhado a copiar é expulso da Universidade. Se esta regra for inscrita nos regulamentos, e a sua aplicação for credível, o número de alunos a cometer fraudes nos exames diminuirá substancialmente e a eficiência na utilização dos recursos públicos aplicados na educação dos portugueses sairá reforçada.

No entanto, e porque também há dado que mostram que os mecanismos punitivos não são por si só totalmente eficientes, uma solução complementar será ensinar não apenas mais matemática aos alunos portugueses, mas ensinar-lhes também ética.

Por: Fernando Alexandre

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