Decorreram recentemente as eleições para os novos corpos gerentes do grupo “Aquilo-Teatro” da Guarda, acto do qual saiu vencedora a lista que mantém nessa qualidade o actual Presidente da Direcção.
Integrei a lista opositora, a qual reuniu um conjunto de pessoas que se têm destacado, dentro e fora do “Aquilo”, nas mais variadas formas de expressão artística e cuja relevância cívica nesta cidade é por demais conhecida. No entanto, é exclusivamente em nome individual que aqui falo.
Alguns desses cooperantes, e muitos dos que nos apoiaram, têm sido, ao longo do tempo, os principais impulsionadores do “Aquilo”, os agentes carismáticos da sua continuidade e afirmação, no panorama cultural local e nacional. Muitas vezes com sacrifício da sua vida pessoal, é bom que se diga. Outros, mais jovens e que estiveram connosco, fizeram-no simplesmente porque, sendo tecnicamente dotados nas suas áreas de expressão, viram no “Aquilo” o veículo privilegiado para concretizarem as suas ideias, graças a uma forte atracção identitária que sobre eles o grupo tem vindo a exercer.
Inspirou-nos o presente, mas também a irreverência, o desassombro, a perseverança, o experimentalismo, a chama que fez nascer e crescer o “Aquilo”, numa cidade onde não havia (e assim continua) mais nenhum grupo que, de forma regular, edite, produza, apresente criações culturais originais nos mais variados domínios.
Foi decerto a urgência da acção que nos mobilizou. Não tanto um impulso cego, mas o resultado e a persistência no labor, com a sua dimensão criativa fundamental, na expressão utilizada por Hannah Arendt.
Congregou-nos, entre outras coisas, a reacção à perspectiva da continuação da triste prestação da actual Direcção, em especial do seu Presidente, que, sem ideias próprias, sem um projecto de acção, sem outro propósito que não o seu próprio protagonismo social e profissional através do “Aquilo”, sem que motivasse os seus membros a apresentarem projectos artísticos, desaproveitando o seu potencial criativo, mas mesmo assim aceitando alguns como quem faz um favor, como um vulgar burocrata, limitou-se a gerir o Aquilo como quem gere uma qualquer associação recreativa de bairro, sem qualquer desprimor para estas, evidentemente.
Se neste período já se sentia uma quebra de qualidade nos espectáculos apresentados, uma quebra de coesão e de solidariedade no interior do “Aquilo”, com esta nova direcção – que no essencial reproduz a anterior, com a agravante de os seus membros se terem agrupado exclusivamente na perspectiva mesquinha e provinciana das benesses do poder (?) – teme-se a consolidação do gosto hegemónico a fazer-se passar por irreverente, do kitch, do novo-riquismo espertalhaço e onzeneiro. Teme-se a descaracterização, a desqualificação artística do “Aquilo”, a sua diluição no espectáculo difuso, nas palavras de Guy Debord, a sua deriva narcísica, em suma, o seu fim.
António Godinho, ex-presidente e cooperante (até ver) do grupo “Aquilo-Teatro”