«Que génios esconderam o rio com prédios e o céu com cabos?»
in Medianeras (2011)
Medianera – em português “parede cega” – é o nome dado às laterais dos edifícios que não têm janelas. A separação física, “desenhada” em Medianeras (2011) com uma imensidão de paredes e corpos sem rosto, afasta o que o “boom” tecnológico juntou.
Martín e Mariana são peças de um puzzle grande demais, onde os encontros e desencontros funcionam como um golpe de sorte; e o destino, romanceado em vários filmes, é aqui uma incerteza crua que se paga com a solidão. A realidade que a internet oferece é vítima de uma crítica profunda e bem construída, onde esta união – perpetuada por uma rede invisível – faz com que as relações humanas deixem de ser… humanas. O indivíduo, quase maquinal, atua como um elemento ausente que vive iludido da própria presença, conformando-se com a inatividade de quem, julgando ter acesso a tudo, não procura coisa alguma.
O argentino Gustavo Taretto é o realizador e argumentista do filme, que marca a sua estreia nas longas-metragens. Ao jeito de um Where’s Wally? a três dimensões, Medianeras (2011) “manipula” as formas, as cores e os gestos para destruir os enigmas aparentes que afastam aqueles que, à partida, teriam tudo para estarem juntos. A arquitetura da sociedade contemporânea e as fobias de Martín e Mariana afastam-nos de um modo quase impraticável, já que as barreiras têm sempre uma origem tecnológica (medo de elevadores, compras online), que complicam o básico ao tentar simplifica-lo. Deste modo, cedo percebemos que o futuro – mesmo que vivido em separado – só será pleno quando os dois escaparem aos seus hábitos e, por conseguinte, à artificialidade em que assentam as suas realidades.
Destaco aqui a relação de Mariana com os manequins que constrói, e com os quais fomenta os afetos e as emoções que lhe faltam. O apelo a este gesto “postiço” surge como resposta à ausência de relações humanas, que se vão simplificando – e aniquilando – graças a ferramentas próprias da dita “era virtual”. Não podemos ignorar o acrescento artístico da fotografia e da densidade narrativa na construção do filme, onde a parte visual e individual desconstroem aquilo que se nos apresenta. Quase como um puzzle de luzes e figuras, Medianeras (2011) é o encontro constante e infrutífero do homem consigo mesmo, onde «a internet me aproxima do mundo mas me afasta da vida» (Martín).
Sara Quelhas*
*Mestranda em Estudos Fílmicos e da Imagem (Mestrado em Estudos Artísticos) na Universidade de Coimbra