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«O alcoolismo é um problema que não diz apenas respeito à área da Saúde»

Cara a Cara – Entrevista

P – Estima-se que no distrito existam mais de 26 mil bebedores excessivos e 21 mil alcoólicos crónicos. Que realidade espelham estes números?

R – São dados que preocupam bastante e mais ainda se considerarmos como bebedor excessivo todo o indivíduo que ingira mais de dois copos de qualquer bebida alcoólica por dia. Outra das nossas preocupações vai de encontro aos números do consumo excessivo por parte dos adolescentes, que têm vindo a aumentar. É importante informar a população de que a realidade do bebedor excessivo acontece muito antes daquilo que se pensa e se espera. É neste sentido que temos procurado intervir. Pelo doente alcoólico, propriamente dito, já estamos a trabalhar, quanto a mim, em pleno. Em Gouveia já se trabalha na área da alcoologia desde 1990, com consultas semanais, e na Guarda acontecem as consultas distritais.

P – Como encara a situação do tratamento e da recuperação no distrito?

R – De uma maneira geral, nos próprios Centros de Saúde já há alguma preocupação e sensibilização para a realidade do álcool e tem-se recuperado um número positivo de doentes. Trata-se de um trabalho continuado, moroso e muitas vezes, em vinte, conseguimos recuperar apenas um doente. Entretanto, temos desenvolvido parcerias importantes com o Hospital Sousa Martins (Guarda), com o Centro de Alcoólicos Recuperados (CAR) de Coimbra e recebemos, desde sempre, uma ajuda fundamental do CAR da Guarda, sobretudo no sentido de motivar os doentes. Isto, porque a principal dificuldade que se nos apresenta é precisamente conseguir motivá-los, fazê-los reconhecer que estão doentes e que precisam de tratamento.

P – Tratar e sensibilizar para a realidade do alcoolismo não é tarefa fácil, uma vez que o álcool está enraizado na nossa cultura…

R – Desde sempre que assim é. Aliás, trata-se de uma questão cultural comum a toda a Europa. Infelizmente, Portugal é o país que mais consome. Toda a gente sabe que o álcool faz mal, mas o que importa agora é informar as populações e sobretudo os jovens que praticam consumos exagerados, porque faz mal. É este tipo de informação que não tem passado. Se calhar, temos estado mais preocupados unicamente em tratar. Porém, também é importante prevenir e fazer com que os jovens entendam que uma bebedeira não é tão inofensiva como possa parecer à primeira vista. Por outro lado, o alcoolismo não pode continuar a ser encarado como um problema que diz unicamente respeito à área da Saúde. É importante que se entenda que toda sociedade tem de intervir, uma vez que a doença mexe com aspectos familiares e profissionais.

P – O tratamento deverá passar pelo assumir da existência de semelhanças entre alcoolismo e a toxicodependência?

R – É fundamental que as pessoas percebam que o álcool é uma droga e, como tal, provoca alterações ao nível do comportamento humano e pode conduzir a problemáticas de dependência. Na verdade, o álcool funciona de forma muito semelhante a qualquer uma das drogas de que tanto se fala. Talvez por isso haja cada vez mais um trabalho convergente dos profissionais ligados à toxicodependência.

P – Actividades como o colóquio de amanhã servem para alertar e despertar algumas consciências?

R – Penso que o colóquio está muito bem delineado nesse sentido. Focar-se-ão as temáticas mais importantes que dizem respeito à realidade e à problemática do alcoolismo. Acredito que possa servir para despertar consciências e sensibilidades para a complexidade deste problema. Actualmente existe muita gente motivada para trabalhar nesta área. No distrito da Guarda quase todos os médicos e enfermeiros têm formação básica em alcoologia. O que interessa agora é motivar os próprios doentes e trabalhar as questões da prevenção.

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