O ministro da Saúde prepara-se para vir à Guarda em finais de Junho anunciar a decisão final quanto à localização do futuro hospital e muito provavelmente a abertura do concurso público para a sua concepção e construção no âmbito das parcerias público-privadas. Ao que “O Interior” pôde apurar o gabinete de Luís Filipe Pereira está a ultimar os elementos necessários para avançar com o processo, nomeadamente no que diz respeito à disponibilidade do terreno. E tudo indica que a tutela não terá outra alternativa que escolher o Parque da Saúde, na cerca do antigo Sanatório Sousa Martins, dada a posição intransigente da autarquia em adquirir o terreno inicialmente escolhido pelos técnicos do Grupo de Missão para as Parcerias na Saúde e anunciado em Março de 2003 pelo próprio governante.
Uma reviravolta que ficará a dever-se ao braço-de-ferro mantido com a Câmara da Guarda desde Março do ano passado. Apesar de ter prometido pagar o terreno do futuro hospital em carta enviada a Durão Barroso a seguir às últimas legislativas, Maria do Carmo Borges recusou-se posteriormente a custear tal aquisição alegando não ter sido previamente informada do local escolhido, junto à rotunda do Torrão – propriedade privada. Por isso também não assinou o protocolo para a cedência do direito de superfície do terreno necessário para o futuro hospital, por supostamente custar à autarquia qualquer coisa como cinco milhões de euros. Sem formas de poder obrigar o município a comprar os 80 mil metros quadrados necessários, a tutela ter-se-á visto forçada a avançar para a cerca do antigo sanatório para assim desbloquear o impasse criado e garantir o cumprimento da promessa eleitoral de Durão Barroso e Ana Manso.
Confrontada com esta solução, a deputada e líder da distrital do PSD da Guarda não confirmou nem desmentiu a mudança, mas disse que a construção do novo hospital «não pode continuar refém de uma birra da Câmara». De resto, segundo uma fonte oficial contactada por “O Interior”, a opção Parque da Saúde tem o condão de disponibilizar «imediatamente a área necessária e sem entraves» ao projecto dado tratar-se de património estatal e poderá mesmo originar uma antecipação do arranque da obra, inicialmente previsto para a próxima legislatura.
Cai assim por terra a oportunidade da realização de um referendo local, como deliberou a última Assembleia Municipal da Guarda (que ainda aguarda um parecer do Tribunal Constitucional), sobre o local onde deve ser edificada a nova unidade hospitalar, mas também a opção do Torrão, escolhida por duas ocasiões pelo Grupo de Missão para as Parcerias na Saúde. Pode assim chegar ao fim a novela alimentada ao longo do último ano em torno da localização do futuro hospital depois da autarquia se ter recusado a adquirir o terreno necessário. E pelos vistos a contento de todos os intervenientes. A Câmara da Guarda não desembolsa um tostão, enquanto Ana Manso está na iminência de concretizar a promessa do novo hospital da cidade. Resta saber quem vai retirar daí os maiores dividendos políticos a ano e meio das autárquicas. O projecto anunciado para a Guarda prevê um investimento de 75 milhões de euros, terá entre 250 a 280 camas, menos que as actuais do Sousa Martins, as mesmas especialidades e passará a ser considerado como hospital geral em vez de distrital. O regime de Parcerias Público-Privados foi criado pelo Ministério da Saúde para ser aplicado na construção de dez novos hospitais – dois dos quais irão substituir unidades já em funcionamento – e determina que a sua edificação, financiamento e gestão sejam realizados por consórcios privados num período contratualmente definido que, no caso da Guarda, é de 99 anos.
Crónica de um projecto adiado
O tema do novo hospital da Guarda foi o palco de uma das maiores lutas políticas dos últimos anos. Tudo começou nas autárquicas de 2001, onde o assunto foi o “cavalo de batalha” da candidata Ana Manso. Veio depois a campanha das legislativas e, após visitar o velho hospital Sousa Martins, Durão Barroso prometeu que a cidade iria ter uma unidade nova se fosse eleito primeiro-ministro. Como ganhou, Maria do Carmo apressou-se a comprometer o novíssimo chefe do Executivo e escreveu-lhe a dizer que a autarquia estava disposta a oferecer o terreno.
Em Julho desse ano, o novo ministro da Saúde foi à televisão anunciar que o Governo tencionava construir dez novos hospitais num sistema de parcerias publico-privados, sendo que o da Guarda era um dos felizes contemplados, embora tenha sido remetido para uma segunda fase a arrancar no final da actual legislatura (2006). Pouco depois, o executivo propôs seis locais e deixou o assunto à apreciação do Grupo de Missão para as Parcerias na Saúde. Até que, em Março de 2003, Luís Filipe Pereira veio anunciar que o Torrão era o local escolhido para construir a unidade no âmbito das parcerias público-privadas. A resposta foi retumbante: a Câmara recusou-se de imediato a comprar o terreno, pertença de um privado, por não ter sido previamente informada da decisão (técnica) e por considerar que esta opção iria comprometer a tesouraria do município. No calor do debate que se lhe seguiu, Maria do Carmo Borges chegou a adiantar um custo (cinco milhões de euros) e a sugerir a Quinta da Maúnça, mas depressa mudou para a cerca do antigo sanatório. Isto porque, a Assembleia Municipal (AM) aprovou uma moção a defender a construção do futuro hospital no Parque da Saúde, uma opção defendida mais tarde com pareceres técnicos, mapas e diagramas, mas também um abaixo-assinado e um debate promovido pela AM.
De regresso ao distrito em Julho de 2003, o agora primeiro-ministro Durão Barroso reiterou que o novo hospital da Guarda ia ser uma realidade apesar das «resistências colocadas». Entretanto, Hermínio Mourato, proprietário do terreno do Torrão escolhido pelo Grupo de Missão para as Parcerias na Saúde, disse a “O Interior” ter estado disposto a oferecer o espaço necessário à construção do novo hospital da Guarda se a autarquia tivesse «garantido determinadas condições de construção» nas zonas circundantes. O promotor imobiliário revelou ainda nunca ter sido contactado por ninguém e estimava que o preço do terreno, «devidamente infraestruturado», pudesse rondar os 250 mil contos. Anunciou, por outro lado, que poderia eventualmente ponderar a «oferta» da área necessária à construção do futuro hospital, «se a decisão técnica for nesse sentido». Em contrapartida, esperava que a autarquia fosse, no mínimo, «sensível» aos seus interesses imobiliários naquela área e permitisse zonas de construção «razoável», o que continua a ser inviável no Plano Director Municipal. «Se fosse possível chegar a um compromisso, eu entregaria com muito gosto o espaço necessário, poupando à Câmara da Guarda alguns tostões para poder fazer as infraestruturas», acrescentou então Hermínio Mourato, sublinhando que não seria por sua causa que o novo hospital da Guarda «não se fará». Quanto aos cinco milhões de euros referidos por Maria do Carmo, o empresário garantia que era um número «lançado na opinião pública para confundir as pessoas e para a presidente da Câmara sacudir a “água do capote” neste processo, alegando que a Câmara não tem dinheiro. Que eu saiba, foi Maria do Carmo Borges quem prometeu comprar um terreno, quem propôs seis locais alternativos e que o colocado em primeiro lugar pelo Grupo de Missão é uma propriedade minha. Como não fui eu que pedi à presidente para a indicar o meu terreno, recuso-me a ser o “mau da fita” neste caso, porque nunca pedi um milhão de contos a ninguém», comentou na altura.
Luis Martins