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«Ninguém gosta de se olhar ao espelho e só ver banha»

Ministério da Saúde aprovou Plano Nacional de Combate à Obesidade

Tudo estava pronto na sala de cirurgia do Hospital Sousa Martins, na Guarda, para uma intervenção cirúrgica bariátrica na passada sexta-feira. Em tudo igual a tantas outras, não fosse a novidade da intervenção ter sido transmitida em directo para uma vasta audiência nas primeiras Jornadas de Obesidade Mórbida, realizadas no último fim-de-semana na cidade.

Luz, câmara, acção… A doente, de 42 anos, natural de Seia, pesa cerca de 100 quilos para 1,50 metros de altura. Entre os especialistas, é conhecida como a paciente do «abdómen esquisito», explica o cirurgião de serviço escolhido para a ocasião, Novo de Matos, da Unidade de Videocirugia do Hospital São José, em Lisboa, que estava acompanhado dos colegas Rui Ribeiro e Augusto Lourenço. «Vamos fazer uma abdominoplastia para a colocação de uma banda gástrica ajustável por via laparoscópica», explica o médico. De vez em quando o director de cirurgia da Guarda, Paulo Correia, a assistir no auditório, dava algumas sugestões numa sala cheia de fios eléctricos e onde se acotovelaram enfermeiros e médicos: «Não dá para colocar mais luz na cavidade?», pergunta. Mas nada feito, a tecnologia tem destes percalços. A operação terminou quase duas horas depois. E a plateia “não perdeu pitada” do filme, mesmo quando o cirurgião se exaltou por não conseguir ajustar a banda gástrica ou por não ter as ferramentas mais adequadas. «Esta é a única solução para os doentes super-obesos», assegura a professora Isabel do Carmo, autora de um recente estudo onde constatou que seis em cada dez portugueses têm problemas de excesso de peso. «Não podemos ter a ilusão que os problemas se resolvem com dieta e exercício», garante a especialista, sugerindo o velho ditado para dizer que «neste caso o prevenir é operar».

Muitas vezes, «o gordo não se considera um doente», diz, com conhecimento de causa, Carlos Oliveira, presidente da Associação dos Doentes Obesos e ex-Obesos de Portugal (ADEXO). Há uns anos atrás, Carlos Oliveira pesava 152 quilos. Hoje só tem 96 quilos. «Recuperei a qualidade de vida desde que coloquei a banda gástrica», adianta o presidente da ADEXO. Para além dos problemas de saúde que deixou de ter, «como dificuldades respiratórias», também há o factor psicológico, pois o ego muda. «Ninguém gosta de se olhar ao espelho e só ver banha», sublinha Carlos Oliveira. A maioria dos doentes obesos vêem esta intervenção «como a luz ao fundo do túnel», adianta o dirigente, mas a cirurgia «não é um milagre, antes um método de controlar a doença», acrescenta. Segundo dados mais recentes, há cerca de 380 mil obesos em Portugal. Por isso a Direcção-Geral de Saúde passou a considerar, desde finais de Março de 2004, a obesidade como uma doença crónica, que requer estratégias de longa duração para a prevenção. Nesse sentido, o Ministério da Saúde aprovou em 4 de Fevereiro o Plano Nacional de Combate à Obesidade. Recorde-se que o Sousa Martins é o único hospital distrital do país onde se faz este género de intervenção, tendo aplicado durante o último ano 40 bandas gástricas.

Patrícia Correia

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