A quem me goza com a vitória de Cavaco Silva digo que cinco anos não custam tanto como isso a passar. E que vamos ter as vantagens, imediatas ou a curto prazo, de sairmos da cauda da Europa, vermos concluído o IC8 e passar a pagar mais baratos os combustíveis. Isto para além de Sócrates passar a ter aulas gratuitas de economia à quinta-feira. Já não é chita. Com todas estas compensações, é caso para dizer: venham mais derrotas dessas.
Posto isto, há que aceitar a derrota e retirar dela as necessárias ilações. Antes de mais, para alívio da alma, deixar claro que os 49,6 por cento que não votaram em Cavaco Silva votaram, de uma forma ou outra, contra ele. O que não aconteceu, por exemplo, com Sampaio. Pode ter acontecido com Soares, na sua reeleição, mas teve contra ele menos de trinta por cento dos votos expressos. É claro que houve quem quisesse muito Cavaco, e foram muitos que o quiseram. Foram um pouco mais de dois milhões e setecentos mil portugueses, numa população de mais de dez milhões, o que lhe traz a legitimidade correspondente.
Começaram já a esboçar-se os discursos do mau perder, baseados em geral nas supostas deficiências na cultura geral do presidente eleito e nas possíveis vergonhas que poderá fazer passar à nação nas ocasiões em que tenha de a representar. A esses, digo-lhes que nada há a temer, qualquer burgesso aprende as regras básicas em semanas e, sobretudo, a fundamental: como passar despercebido. Para além do mais, Cavaco, que não é nenhum burgesso, não vai ter de privar com Churchill, Adenauer, Miterrand, González ou Kennedy. Terá de se contentar com pessoas como Giscard D´Estaing, Tony Blair (uma pessoa que admite ser conhecida por um diminutivo não pode ter ilusões de grandeza), Sílvio Berlusconi e, valha-nos Deus, George W. Bush. É difícil imaginá-lo fazer má figura neste meio e, por isso, ao menos nesta perspectiva, nada temos a temer. O nível baixou tanto, mas tanto, que qualquer razoável professor de finanças (mas não tão bom como, por exemplo, Sousa Franco, que tem muito mais, e mais valiosa, obra publicada) pode pedir meças a qualquer um. Mas isso é outro problema.
A evitar, sobretudo, é querer mostrar erudição em áreas em que seria fundamental, sobretudo, esconder a ignorância. É claro que passar despercebido é um “plano B” infalível, mas também pouco custa aprender alguns factos básicos.
Por exemplo: utopia é uma palavra inventada por Tomas Morus (ou Moore, ou More), falecido em 1535. Essa palavra tem raízes gregas: ou, com o significado de “não” e tópos, “lugar”. Queria Morus referir-se a um lugar inventado por ele, que não existia, mas que era o modelo para uma sociedade ideal, em que os pobres não fossem explorados pelos ricos. A ideia de Morus (canonizado em 1935) foi aproveitada e melhorada por muitos, embora com consequências diferentes: por Tommaso Campanella (A Cidade do Sol), por Francis Bacon (A Nova Atlântida), por Proudhon, por Karl Marx e Friedrich Engels.
Sugestões
Um livro: A Utopia, de Tomas Morus (publicado em Portugal, entre outros, pela Europa-América, na colecção “Livros de Bolso”), um ensaio de ciência política publicado em 1575, quarenta anos após a morte do autor, por causa da violenta crítica social à Inglaterra do seu tempo que Morus expunha em primeiro plano.
Outro Livro: A Montanha Mágica, um romance de Thomas Mann (1875-1955). Mann poderá ser recordado também pela sua versão do mito de Fausto, que vendeu a alma ao Diabo, ou pela saga dos Buddenbrook. Mas é na montanha (mágica) em que situa um sanatório e nas tragédias cruzadas dos seus tuberculosos que, tendo a iminência da sua própria morte em primeiro plano, assistem em agonia aos dias que antecedem a grande guerra, que Mann atinge a imortalidade.
Um filme: Being There, com Peter Sellers. Um jardineiro com graves problemas cognitivos, com um discurso baseado em generalidades inócuas chega, em virtude de circunstâncias várias, a presidente dos Estados Unidos da América. A possibilidade é utópica mas não pode ser posta totalmente de parte.
Por: António Ferreira