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Nem que Fosse Apenas um Cêntimo

Devemos muito dinheiro ao estrangeiro, mais de cem mil milhões de euros e um quarto dessa dívida vence-se em 2010. O Estado não tem dinheiro para a pagar, como não tem tido nos últimos tempos dinheiros para pagar as promissórias, chamemos-lhes assim, entretanto vencidas. O que faz é contrair novos empréstimos para pagar os antigos e os juros que também não tenha pago. É por isso que a dívida aumenta todos os anos. E aumenta também porque não criamos em Portugal riqueza suficiente para pagar tudo aquilo que o Estado gasta, por exemplo em salários, ou aquilo em que investe, por exemplo em auto-estradas. Como não criamos essa riqueza, temos de pedir emprestado para o poder gastar – tal como em nossas casas.

Tudo isto é normal, dirão, embora pareça evidente, cada vez mais evidente, que temos de começar urgentemente a gastar menos. É isto que acham pelo menos as agências de rating, o FMI, os investidores internacionais e todos aqueles que nos emprestaram ou podem vir a emprestar dinheiro. Entretanto, aproxima-se o prazo de vencimento das promissórias e o mercado começa a enervar-se: irá ou não Portugal pagar? e, também muito importante, irá ou não conseguir que lhe emprestem dinheiro para o fazer? Há quem ache que não e que o nosso caminho é o da Grécia, para já, e o da Islândia depois. Os que acham que não, que não iremos cumprir, baseiam-se em dados muito objectivos: afinal o nosso orçamento mostra-se demasiado tímido para as circunstâncias e fomos, em sacrifícios e redução de despesas, muito menos longe do que, por exemplo, a Irlanda ou a Grécia.

E eis que, chegados ao ponto a que chegaram tantas empresas e particulares no nosso pais, sem saberem se vão conseguir um refinanciamento da dívida ou uma prorrogação do prazo, chegados a esse ponto transmitimos aos nossos credores e ao mercado financeiro internacional a pior possível das mensagens: não só não vamos reduzir significativamente os nossos gastos como nos permitimos um pequeno luxo, totalmente inútil e sumptuário, na revisão da Lei das Finanças Locais. A Madeira, a região mais rica do pais a seguir a Lisboa, com 97% do rendimento medo comunitário, com 122% do rendimento médio nacional, vai receber mais 50 milhões de euros (de que não precisa mais do que, por exemplo, a Beira Alta) em transferências do governo central e vai poder aumentar (ainda mais) o seu já excessivo endividamento.

A argumentação do PSD passou pela ideia de que seria a reposição de uma injustiça (como se não houvesse injustiças muito mais urgentes e prioritárias) e que seriam simples migalhas no bolo do orçamento. Este último argumento é provavelmente o argumento mais imbecil de toda a história da democracia portuguesa e creio que todas as pessoas inteligentes que há no PSD, e ainda há algumas, não muitas, se sentirão envergonhadas quando o ouvem. Dizer-se isto é o mesmo que dizer ao mercado que é melhor não nos emprestarem mais dinheiro pois somos capazes de o esbanjar em tretas e que o nosso incumprimento definitivo é uma questão de tempo. Ou o leitor emprestaria dinheiro a alguém que já lhe devesse muito se soubesse que ele iria gastá-lo em bugigangas e parvoíces? O mais obsceno de toda esta história foi a perfeita inutilidade da discussão dessa lei neste momento. Nada havia que o exigisse e havia muitas outras prioridades. Para já, a imagem transmitida ao Mundo, que está preocupado com o que se passa por cá, é que a oposição conseguiu fazer passar uma lei despesista (vejam por exemplo o LA Times de 5 de Fevereiro). Há quem diga que só o FMI vai poder colocar alguma ordem nisto. Sei que é um bocadinho vexatório para todos nós sermos governados de fora e que iremos sofrer com isso, mas talvez seja melhor para todos.

Por: António Ferreira

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