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«Não temos de temer a reabertura do processo de reposição das freguesias»

Cara a Cara – José Manuel Rabaça

P – O Governo quer reverter a fusão de freguesias concretizada em 2013. Concorda com a decisão? E acha que faz sentido?

R – Tirando alguma informação avulsa e tomadas de posição dos vários partidos e forças políticas com representação parlamentar, não se conhece ainda em concreto o teor da proposta. Portanto, formalmente, ainda não está ainda “em cima da mesa” qualquer documento para ser debatido. No entanto, e atendendo ao que foi sendo dito, sempre se pode depreender que a intenção não é reverter, pura e simplesmente, a totalidade das agregações efetivadas. O novo diploma visará criar um novo quadro legal, com novos critérios – quais “travões” – que, sendo cumpridos, vão possibilitar aos territórios e populações promover alterações de organização territorial. São eles a prestação de serviços à população; eficácia e eficiência da gestão pública; representatividade e vontade política da população; população, área e meio físico e história e identidade cultural. Se me dissessem que era para reverter tudo, como algumas forças políticas pretendem, não estou de acordo. Mas se o processo for reaberto para resolver situações que manifestamente se revelaram lesivas ou incongruentes com os interesses das populações e dos seus autarcas, então eu já concordo. Não temos de temer a reabertura do processo, pois não podemos esquecer como se desenrolou no passado. Nesta medida faz sentido a intenção do Governo, embora o final do mandato esteja a aproximar-se. Por outro lado, e como a ANAFRE refere, Portugal tem de ter um quadro legal que permita a criação, fusão e extinção de municípios e freguesias.

P – Na altura o distrito da Guarda perdeu 94 freguesias, sem grande contestação. Acredita que a vontade do governo vai ter efeitos na Guarda?

R – Realmente, e apesar de alguma contestação de agregações notoriamente mal definidas e de alguma celeuma de carácter político-partidário, o processo traduziu-se num misto de serenidade, indiferença ou expectativa. O mesmo aconteceu com os autarcas das freguesias envolvidas. Espera-se agora que a definição legal, a resultar neste tempo político, possa ir mais além nos mecanismos de participação e na construção da melhor solução a nível local. No nosso distrito poderemos ter alguns ajustes pontuais. Quanto a novas agregações tudo dependerá muito do que a lei garantir, mas antevejo menor simpatia por esta opção.

P – O número de freguesias existentes atualmente no distrito é ou não suficiente? Em que zona são necessárias?

R – Não façamos uma apreciação meramente quantitativa. A resposta tem de implicar uma avaliação qualitativa dos serviços prestados às populações! A zona rural do distrito precisa de uma resposta radical na organização administrativa. Não pode ser só fechar, fechar, é necessário reforçar as leis do associativismo autárquico. É imprescindível prestar mais atenção às políticas de apoio às populações isoladas, sejam agregados de cem ou mil pessoas. Somos portugueses e acredito na capacidade dos autarcas de freguesia e dos municípios em construir uma rede de políticas sectoriais que não deixem ninguém para trás e possamos, senão reverter o despovoamento, pelo menos esbater a continuada sangria a que temos assistido. Obviamente que as zonas mais afastadas das sedes de concelho devem ser mais privilegiadas. Já nas sedes de concelho é obrigação das Câmaras potenciar mais e melhor e apoiar o esforço que esses autarcas fazem. A lei facilita mas não me parece que seja devidamente aproveitada. Pode-se e devia-se ir mais além.

P – O que ganhou com a fusão de freguesias na região? E o que se perdeu?

R – O que se ganhou foi muito mais trabalho para os autarcas das freguesias que se agregaram sem que tivessem muitos mais meios disponíveis. Há ainda a necessidade de maiores deslocações. O que se desmereceu foi realmente as pessoas, nas suas terras, terem perdido a sua Junta de Freguesia, um segmento de poder de proximidade, um sentimento de presença do Estado. Mas o serviço, em concreto, parece-me que não foi totalmente prejudicado graças ao redobrado esforço a que os autarcas foram obrigados.

P – Na sua opinião, como deve ser feita a reposição das freguesias extintas e quem deve decidir?

R – A reposição e/ou novas agregações, ou mesmo a criação de novas freguesias, deve ser um processo participado com os autarcas das Assembleias e das Juntas, das Assembleias e Câmaras Municipais com referência a alguns critérios objetivos. Não sei mesmo se, em última instância, não seria despiciente o recurso ao “referendo local”, a forma mais democrática de legitimação de qualquer decisão… A última palavra deve também competir à população.

P – Iniciou, em junho, funções de Coordenador do C.D.D. da ANAFRE. Quais são as suas prioridades neste mandato?

R – Durante este quadriénio, de 2018 a 2022, temos a responsabilidade de manter, consolidar e aprofundar o que os meus colegas realizaram nos mandatos anteriores. Aliás, acompanhei com mais participação no mandato anterior e testemunhei uma maior adesão das freguesias. Mas queremos mais, pois só 50% das freguesias do distrito são neste momento associadas da ANAFRE. Queremos criar uma plataforma informática distrital de partilha de conhecimento e vamos reforçar o contacto direto, deslocando-nos junto dos nossos colegas para perceber melhor o seu trabalho e a sua articulação com as Câmaras. Vamos manter uma colaboração intensa com o nosso representante no Concelho Diretivo Nacional (João Prata), acompanhar a implementação de atividades em prol da proteção e segurança de pessoas e bens em casos de incêndios rurais, complementando as ações nacionais realizadas pelo Governo (Aldeia Segura, Pessoas Seguras), são outras tarefas. Depois a formação, os encontros e debates, bem como a ligação à sociedade e ao meio académico. Gostaríamos também de apostar na vertente transfronteiriça com a província de Castilla e León. Em 2019 cumprem-se 30 anos da existência legal da ANAFRE, uma efeméride que procuraremos evocar recordando o trabalho de quem auxiliou a “fundar” a ANAFRE no distrito. Em suma, queremos um trabalho de proximidade, de formação, de reflexão e de reforço da presença das freguesias na vida da população.

Perfil:

Coordenador do Conselho Diretivo Distrital da ANAFRE na Guarda

Idade: 51 anos

Naturalidade: Casal de Cinza (Guarda)

Profissão: Técnico superior da Autoridade Nacional de Proteção Civil

Currículo: Presidente de Junta de Freguesia de Casal de Cinza (2005-2017); membro do Conselho Municipal de Segurança desde 2009; membro agregado da Sociedade Portuguesa Interdisciplinar do Laser Médico (SPILM); árbitro da Associação de Futebol de Lisboa; mestrado em Tecnologias e Gestão de Informação e Segurança e licenciatura em Administração Regional Autárquica

Livro preferido: “O Crime do Padre Amaro”

Filme preferido: “Música no Coração”

Hobbies: Passear e cozinhar

José Manuel Rabaça

Sobre o autor

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