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Não nos vendemos a troco de singelos presentes incendiários

Crónica Política

Perante a catadupa de notícias relacionadas com os incêndios, recordo a minha infância quando havia algum povoamento no mundo rural. Onde cresci havia vários jovens, restam nossos pais, e quando aconteciam alguns focos de incêndio acorríamos em comunidade.

Com isto quero enfatizar o que o meu partido, o PCP, há muito vem alertando para as causas deste flagelo, desde logo o desinvestimento no mundo rural, desordenamento, falta de limpeza das matas, escassez dos meios permanentes e dos meios especiais de combate aos fogos, mas aponta como causas mais determinantes a ausência de políticas de apoio ao desenvolvimento da agricultura, aos pequenos e médios agricultores e produtores florestais, o sistemático afrontamento das comunidades dos baldios, a destruição da agricultura familiar, a desertificação do interior incentivada por falta de atividade produtiva com garantia de rendimento para os produtores, a eliminação de serviços públicos (em particular, escolas e serviços de saúde). Situações que se acentuaram no mandato do anterior Governo PSD/CDS, com a aprovação da chamada “Lei da Eucaliptização”, que levou ao aumento significativo das áreas de eucalipto plantadas, com a aprovação de uma nova lei dos baldios visando a sua expropriação aos povos, ou com o desvio de mais de 200 milhões de euros do PRODER para outras áreas.

O problema dos incêndios florestais só pode ser resolvido com uma efetiva política de ordenamento florestal, contrariando as extensas monoculturas, de limpeza da floresta, de plantação de novas áreas de floresta tradicional, combatendo a hegemonia do eucalipto – que passou a ser a espécie que ocupa mais área no país, à frente do pinheiro bravo e do sobreiro, de abertura de caminhos rurais e aceiros, de valorização da agricultura e da pastorícia, de ocupação do espaço rural.

Exige-se também um ordenamento assente num rigoroso cadastro da floresta portuguesa, indispensável para caracterizar com rigor a nossa floresta, os seus principais constrangimentos e os seus proprietários que, apesar de sucessivamente anunciado, não tem saído do papel ou das experiências piloto. É ainda fundamental que haja uma perspetiva coletiva na agregação dos pequenos proprietários.

Para alguns a palavra Reforma Agrária é forte na dimensão ideológica, mas quem assim pensa são os mesmos que destruíram os esteios comunitários das nossas gentes no mundo rural. Não falem em ordenamento se, porventura, não garantem aos pequenos produtores um preço justo pela madeira que, por ação do autêntico monopólio do eucalipto e da pasta de papel, se mantém a níveis semelhantes aos de há dez anos, apesar dos custos de manutenção encarecerem a cada dia que passa.

O Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios deveria contar com 500 equipas de sapadores florestais em 2012 e, hoje, apenas dispõe de 283, tendo mesmo havido uma redução nos últimos anos. São equipas que, pela sua agilidade e ligação aos pequenos proprietários florestais, podiam prestar o importante serviço de limpeza de matas e prevenção no inverno e de proteção e primeira intervenção no verão.

O PCP nunca andou a correr atrás do prejuízo e nem faz demagogia política, desde sempre defendeu as políticas para a agricultura familiar e pequenos produtores florestais, não se vende a troco de singelos presentes incendiários.

A postura dos comunistas foi sempre no investimento público, com uma política de reforço das estruturas desconcentradas do Ministério da Agricultura, capazes de assegurar o acompanhamento, aconselhamento e apoio aos pequenos proprietários que detêm a esmagadora maioria da área florestal e que é necessário respeitar na sua especificidade. Ainda recordo as manchas de castanheiros que desapareceram em localidades tão simbólicas para a minha vivência desde pequeno.

Esta é a luta que carece de intervenção dos autarcas nucleares do poder local, os presidentes de junta, aliados à matriz comunitária das suas populações, enquanto estas existirem e resistirem fruto das políticas de abandono do mundo rural e sobretudo ao despovoamento.

Por: Honorato Robalo

* Membro do executivo da Direção da Organização Regional da Guarda (DORG) do PCP

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