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Não me vuvuzelem

Começa esta semana mais um Campeonato do Mundo de selecções nacionais seniores masculinas de futebol de onze, usualmente designado por “Mundial”.

O adjectivo “Mundial” isolado podia servir para descrever, por exemplo, os dois grandes conflitos armados do século XX. Mas não basta. É necessário clarificar. Só a expressão “Guerra Mundial” esclarece os interlocutores. E as diferenças não ficam só na adjectivação. Uma discrepância entre a Segunda Guerra Mundial e o Segundo Mundial de Futebol é que a Itália perdeu a primeira e ganhou o segundo.

Um “Mundial” é portanto uma competição desportiva alargado ao mundo inteiro (ou no caso do râguebi, à África do Sul, à Oceânia e às Ilhas Britânicas). Uma excepção reconhecida é a liga americana de basebol, modalidade na qual as World Series são normalmente disputadas apenas pelos New York Yankees.

A simplificação do adjectivo significa também que, sempre que não está especificado, um mundial é um torneio de futebol na sua versão de onze jogadores, disputado por selecções nacionais de homens adultos. Quando nos referimos a campeonatos do mundo de outra modalidade ou variante de futebol, é preciso concretizar: “mundial de andebol”, “mundial de futebol de praia” ou “mundial de matraquilhos”. Se for um campeonato do mundo de futebol de onze, mas não para selecções nacionais, chama-se “mundial de clubes”, se não for para homens é o “mundial feminino” e se não for para adultos é “mundial de juniores”. Parece simples.

Podem vir as feministas da semiótica gritar que isto é mais uma prova da dominação patriarcal e da imposição da vida adulta sobre a adolescência florescente ou os marxistas resmungar que o desporto é o novo ópio do povo ou mesmo Santana Lopes levantar-se da cadeira por o futebol ser mais importante do que qualquer outra coisa, mas a verdade é esta: se dizemos “Mundial” estamos a falar de desporto, futebol de onze, nações, homens e adultos.

O progressismo intelectual, sempre muito dedicado às questões semânticas da linguagem, talvez gostasse de tentar reverter este vício. Por exemplo, pode tentar chamar “Mundial” ao passatempo internacional que consiste em tentar romper os bloqueios israelitas a Gaza. Afinal, são pessoas oriundas de vários países, envolvidas numa actividade tradicional bastante popular em todo o mundo e que envolve homens e mulheres, adultos e jovens (curiosamente, os países que permitem a participação de mulheres – como a Irlanda ou Israel – preferem manter as suas crianças na escola e os clubes que incentivam a participação de petizes – como o Hamas ou o Hezbollah – não mostram grande apreço pela inclusão de mulheres em nenhuma actividade). Por questões de coerência cromática, seja no verdadeiro Mundial como neste que agora inventei para ocupar mais um parágrafo e chatear mais três esquerdistas, apoio sempre equipas que vestem de azul-celeste.

Portugal estará representado no “Mundial” – no de futebol, no outro só o Bloco de Esquerda e como treinador de bancada – por um conjunto de jogadores escolhidos por Carlos Queiroz. É por isso que não reconheço nos “Navegadores” (assim designados porque o futebol praticado é uma espécie de barco à deriva) a característica de serem a “selecção de todos nós”. É a selecção – sinónimo de escolha – de Queiroz. Para ser de todos nós era preciso que tivessem sido escolhidos pelo povo. Claro que nem uma escolha democrática garantia um melhor conjunto de jogadores. Veja-se este exemplo: em Setembro passado houve eleições e a selecção de todos nós foi mais um governo de José Sócrates.

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