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«Não é altura de inventar e arriscar em formações que não nos dão garantias de sucesso»

Entrevista a Constantino Rei, presidente do Instituto Politécnico da Guarda

P – Que balanço faz do último ano letivo no IPG?

R – Foi um ano na senda dos últimos anos, bastante complicado. Vamos continuar a fazer o nosso trabalho, resistindo e procurando fazer cada vez melhor aquilo que fazemos. Foi um ano marcado interna e externamente por alguma discussão política à volta do que poderia ser a reorganização do ensino superior que a mim, pelo menos, me consumiu algum tempo. Pelos vistos, inutilmente, na medida em que as orientações políticas mudaram muito rapidamente e perdemos algumas energias em assuntos que, afinal, não eram relevantes e não eram prioridades.

P – Sentiu-se defraudado pelo facto de algumas vagas não terem sido preenchidas?

R – Evidentemente que sim, mas não é surpresa porque quem conhece o sistema sabe perfeitamente, e nós já tínhamos antecipado, que o ano não poderia ser positivo, como não será o próximo.

P – O que perspetiva para o próximo?

R – Não podemos esperar melhorias significativas, bem pelo contrário. Podemos é esperar problemas ainda maiores porque temos um problema fundamental que é a falta de alunos, que começa a sentir-se primeiro no interior, nos Politécnicos e só depois chega às outras instituições. Como já chegou aos outros, obviamente que nós sofremos. É verdade que provavelmente também já absorvemos o impacto maior e, por isso, sem ter sido positivo, também não foi um ano dramático, na medida em que já estávamos preparados para nos adaptar e, desse ponto de vista, o ano correu com normalidade.

P – Comparativamente com outros Politécnicos, nomeadamente do interior, pode dizer-se que o IPG até reagiu melhor?

R – Sim, melhor, porque infelizmente já absorvemos algum do choque ao longo dos anos e estamos mais preparados com ajustamentos que outros não fizeram. Ao contrário de outros, procurámos também não duplicar formações, nem aumentar e arriscar novos cursos, mas consolidar as formações atuais. É verdade que é preciso resistir às tentações das escolas, dos departamentos, da chamada fuga para a frente de criar novos cursos, mas entendemos que este momento não é a altura de andar a inventar e de arriscar em formações que não nos dão garantias de sucesso. A nossa aposta é na qualidade do que estamos a fazer.

P – Está então otimista em relação ao próximo ano letivo? Houve medidas adequadas que ajudem a estancar a diminuição de alunos no Politécnico?

R – A minha perspetiva é que nos próximos anos vai continuar a haver uma diminuição de alunos, embora não tão brusca, sobretudo porque há uma mudança da estrutura das formações. Passámos de uma realidade com licenciaturas de quatro ou cinco anos para licenciaturas de três anos. Agora, se calhar, no próximo ano vamos deixar de ter menos alunos nas licenciaturas para ter em cursos técnicos superiores profissionais com a duração de dois anos. O que quer dizer que para mantermos o mesmo número de alunos num determinado ano têm que anualmente ingressar muito mais do que ingressavam antes porque eles saem mais rapidamente. Não estou obviamente otimista mas sou realista. Penso que o próximo ano não será muito diferente do que foi este. Dentro de todas as condicionantes que nos absorvem, diria que não será mau se nos conseguirmos manter no estado atual. Penso que já será positivo porque é difícil nesta altura esperar fazer melhor e por isso a nossa preocupação é concentrarmo-nos no que fazemos.

P – Para além da formação do ensino superior, os Cursos de Especialização Tecnológica e a adaptação a um novo modo de formar é o caminho do Politécnico?

R – Tem que ser necessariamente, independentemente de concordarmos ou não. Não sou contra esse tipo de formações e, em particular, as novas que irão substituir os CET, muito pelo contrário. Se não as tivéssemos feito no Politécnico da Guarda, hoje estaríamos muito pior do que estamos. Houve algumas críticas por apostarmos nestas formações e há pessoas que as consideram uma menorização e uma descredibilização do ensino superior, mas a verdade é que se não tivéssemos apostado nelas, teríamos nesta altura menos 15 por cento de alunos. Atualmente, o IPG tem um total de 2.750 alunos e 370 nos CET.

P – Já é possível aferir da percentagem de alunos dos CET que depois prosseguem os seus estudos no IPG?

R – Há realidades distintas. Em primeiro lugar, infelizmente, a percentagem de alunos que não concluíram esses cursos é demasiado elevada. É verdade que também é significativo, não tanto quanto desejaríamos e também não é esse o objetivo fundamental, o número de alunos que ingressam nas licenciaturas. Por exemplo, quando em outubro ou novembro se discutiram as relações do IPG com a Universidade da Beira Interior, eu alertei que, concluído o concurso nacional de acesso ao ensino superior, tínhamos os cursos de Engenharia Civil e de Engenharia Topográfica praticamente sem alunos. No entanto, conseguimos manter Engenharia Civil e este ano, de acordo com os critérios do secretário de Estado, esse curso continua a funcionar e isso graças aos alunos dos CET. Houve um trabalho interno, de porta a porta, um contacto pessoal dos professores para convencer os alunos a matricularem-se na licenciatura. E o resultado é que tínhamos praticamente zero alunos em novembro e passámos a ter 12 ou 13, o que é a diferença entre encerrar ou manter um curso. Poder-se-á questionar se o número é significativo, evidentemente que não é, mas também não podemos desesperar, até porque em 2000/2001 o curso de Gestão teve zero alunos em dois anos consecutivos. Mas houve ponderação e hoje na Escola Superior de Tecnologia e Gestão esse é o curso mais sustentável e o que garante maior número de entradas. É um público obviamente importante que não podemos desprezar e agora temos um trabalho muito intenso para preparar os novos cursos, embora seja necessário refletir muito bem sobre a oferta de mais formações porque têm que responder às necessidades do mercado e estarem em linha na fileira da formação que temos nas licenciaturas e mestrados.

P – Depois do Ministério ter rejeitado a proposta de integração na UBI, o IPG vai ter que trilhar um caminho sozinho ou há outra estratégia?

R – Nesta altura, a minha perspetiva é que o Politécnico tem que, com as suas forças e as suas fraquezas, olhar para o futuro tendo em conta as suas capacidades e não com os outros.

P – Mas o IPG quer continuar a interagir com a UBI?

R – Naturalmente, mas a interação sempre existiu, existe e provavelmente é mais forte hoje do que era há alguns anos. Agora, a hipótese de haver uma verdadeira reforma do ensino superior está colocada de parte com o atual governo. É verdade que legalmente não é possível a fusão, mas também não era exatamente disso que se tratava. Nada foi feito porque politicamente não há interesse, é uma opção que terei que respeitar e terei que trabalhar em função das orientações políticas de quem tem competência para as impor. Como a orientação política neste momento é a dos chamados consórcios, sobretudo entre instituições da mesma natureza e eventualmente com Politécnicos e Universidades, devo dizer que não sou nada otimista nem apologista desta solução. Os consórcios são acordos e os acordos fazem-se quando há vontade entre as partes e portanto não preciso de um consórcio formal para que docentes do IPG ou da UBI colaborem porque já estamos a fazê-lo. Temos professores da UBI a vir à Guarda e professores da Guarda a ir à UBI, há projetos de investigação onde nós participamos, há cooperação a vários níveis, pelo que basta haver vontade. Este tipo de consórcios não resolve o problema fundamental, que é de ajustamento entre oferta e procura, de adaptação das instituições a uma realidade regional cada vez mais problemática, com menos pessoas e menos capacidade de intervenção na sociedade. O que está a acontecer é que as instituições, individualmente, estão a ficar cada vez mais fracas e vão continuar a fragilizar-se, o que significa que o todo também fica mais fraco, mas este é o caminho. Nós vamos continuar a colaborar, mas quando a tutela nos diz que podemos partilhar-se recursos, eu pergunto que recursos é que querem que partilhe se tenho docentes a mais e a instituição ao lado também tem docentes a mais? Vamos partilhar o quê? Os excessos? Os consórcios não são solução e por isso a minha preocupação é enfrentar o futuro com as nossa forças e com as nossas fraquezas.

P – Acredita então que o ensino superior no distrito da Guarda tem futuro e é esse o caminho que vai ter que ser defendido nos próximos tempos?

R – Temos que acreditar que tem futuro. Sabemos que é um futuro difícil, que mais cedo ou mais tarde terá que haver alterações mais profundas, mas temos que continuar a trabalhar. A mim não me satisfaz minimamente estar cá daqui a 10 anos e ter metade dos alunos que tenho hoje, como não me satisfaz que em 2014 tenhamos menos 40 por cento de alunos que em 2000. Obviamente que tudo faremos para evitar que isso continue, mas estamos cada vez mais fracos e há movimentos que não conseguimos contrariar. A minha preocupação é fortalecer o ensino superior na região da Guarda e na Guarda. Não estou muito preocupado com a natureza das formações, aquilo que interessa fundamentalmente é que a região tenha um ensino superior cada vez mais forte.

P – Precisamente porque a demografia no distrito da Guarda não perdoa, uma das apostas tem sido nomeadamente nos alunos vindos dos países de língua portuguesa. É uma aposta que faz sentido?

R – Faz sentido e um dos dois desafios mais importantes que nos esperam nos próximos anos é precisamente o da internacionalização, mas temos que ter os pés assentes na terra e saber que não vamos resolver os problemas com isso. Recentemente questionei o reitor de uma das maiores universidades do país sobre a expetativa do número de estudantes internacionais que este ano esperavam captar e a resposta foi entre 100 e 150. Portanto, se uma universidade centenária espera captar uma centena de alunos não se pode esperar que o Politécnico da Guarda, ou qualquer outro politécnico do interior, capte 100, 200 ou 300 alunos. Temos que investir nessa área e selecionar de forma rigorosa os mercados onde podemos ter algumas hipóteses porque sem semear não podemos colher frutos. Os países africanos são uma possibilidade, mas não é provavelmente a melhor solução na medida em que a situação financeira de alguns deles também não é famosa e não podemos esperar um volume muito significativo de candidatos. Nos países com mais capacidades começa a haver muitas barreiras à saída de estudantes e, sem menosprezar, nomeadamente, Cabo Verde, com o qual temos várias parcerias e esperamos continuar a ter uma comunidade relativamente razoável na Guarda, temos que nos virar principalmente para o Brasil e eventualmente para algum outro país da América Latina. Temos que conseguir captar algumas dezenas de estudantes brasileiros para que nos ajudem a sustentar alguns cursos. Estamos a trabalhar nisso e os próximos dois, três anos vão ser determinantes nessa aposta.

P – O Politécnico a internacionalizar-se nos próximos anos. É o caminho?

R – Temos que o fazer. Alguns certamente criticarão, poderão pensar que é eventualmente dinheiro desperdiçado mas nas últimas semanas gastámos quase 15 mil euros em atividades de promoção no Brasil porque entendemos que, num país como aquele, se não fizermos alguma coisa, ninguém por sua iniciativa vai saber que existe um Politécnico na Guarda.

P – Mas no Brasil, quando os alunos pensam estudar em Portugal, preferem Lisboa, Porto e Coimbra. Como se consegue combater isso?

R – Esse é um dos obstáculos que vamos tentar contornar. É evidente que um estudante, do Brasil ou de outro país, com cinco ou sete mil euros para gastar em propinas, mais o dobro para despesas correntes, não vem para a Guarda, fica nas grandes universidades com maior reputação porque é isso que procura. Mas nesses países também há um mercado de classe média que, se calhar, terá capacidade para pagar 1.500 ou dois mil euros de propinas. O preço será, eventualmente, a vantagem competitiva que poderemos ter no interior. Isto é, termos que fazer um esforço e fixar um valor de propinas bastante mais baixo para captar aquele aluno que eventualmente gostaria de vir para a Europa mas não tem capacidade para ir para Lisboa ou Porto.

P – Defendeu muitas vezes junto do poder político a existência de majorações para quem venha estudar para o interior. Tem havido algum resultado dessa defesa?

R – Há pelo menos sinais positivos. Alguns, pelos vistos, poderão concretizar-se já este ano, outros não. Um exemplo. Recentemente fomos surpreendidos com uma informação da secretaria de Estado que aponta para que possamos admitir estudantes estrangeiros e conceder-lhe bolsas. No essencial, a medida, que é positiva para nós no interior, é que se temos um curso com capacidade para absorver 10 ou 20 alunos sem nenhum investimento adicional, porque temos capacidade instalada, porque não subsidiar os alunos estrangeiros para que venham para cá? Claro que é a instituição que vai suportar os custos e as bolsas, que, segundo o secretário de Estado, serão de dois tipos: o estudante estrangeiro pode pagar o mesmo valor que um estudante nacional ou, no limite, pode até não pagar propina nenhuma. Se podem entrar 10 alunos num curso com 10 vagas numa instituição do interior e sem nenhum custo parece-me positivo e é algo que provavelmente nos beneficia comparativamente às universidades do litoral, se o critério for o da ocupação de vagas. A ideia será desviar esses estudantes internacionais para onde existe capacidade instalada. É uma medida positiva que já vem muito tarde, pelo menos, para o próximo ano letivo. Também a criação de bolsas nacionais para os estudantes que queiram vir para algumas instituições do interior é positiva, mas não será implementada de certeza absoluta em 2014/2015. Estes são alguns sinais positivos que é preciso concretizar, contudo, acredito que, com essas e outras medidas, 2015 possa ser eventualmente um ano de viragem.

P – Avizinha-se um processo eleitoral. Após algum impasse, decidiu recandidatar-se. Qual é a mensagem que tem para merecer o apoio e continuar como líder do Politécnico da Guarda após as eleições de 17 de outubro?

R – Nunca disse que não seria candidato mas manifestei algumas reservas e a eventualidade de o não ser. Quis ao mesmo tempo lançar algum alerta internamente para as dificuldades e para alguma passividade que se assistia nalguns setores. Provavelmente, se não fosse esse alerta não teria ocorrido o que já disse dos professores terem saído do seu gabinete, terem pegado no telefone e ligado a alunos que conheciam dos CET para os convencer a matricularem-se na licenciatura.

P – Houve uma estratégia da sua parte de agitar um pouco as águas, no sentido dos professores manifestarem no terreno essa vontade de dar vida ao Politécnico?

R – Claro, porque todos temos que nos convencer que o presidente do Politécnico, ou de qualquer instituição, por mais brilhante que seja, não resolve os problemas sozinho. Pode orientar e ter um papel ativo no rumo e nas opções estratégicas, mas depois não é ele que, no terreno, realiza as coisas. Se um comandante de um navio não tiver os marinheiros a trabalhar consigo não adianta nada e foi um bocado nesse sentido.

P – Confia hoje mais nos docentes e no pessoal discente da instituição?

R – Sim. Confio que há cada vez mais pessoas que perceberam o alerta, que estão obviamente conscientes e disponíveis para, num ambiente como o atual, de trabalhar mais e receber menos, dar tudo pelo instituto e pela sobrevivência da instituição e, em muitos dos casos, dos seus postos de trabalho.

P – Estão todos a remar para o mesmo lado?

R – Nunca podemos esperar que sejam todos e temos que aceitar as diferenças e as divergências. Não quero que as pessoas estejam todas de acordo comigo, peço-lhes é que trabalhem em prol de um bem comum, que façam, se sacrifiquem pela instituição e que saiam da sua zona de conforto e trabalhem, independentemente do presidente ser A, B ou C. Acho que este agitar de consciências produziu alguns resultados e que a consciência da necessidade desse trabalho é hoje maior. Se os marinheiros se levantaram e começaram a remar, o comandante não pode, ou não deve, abandonar o barco. No mínimo, deve dizer “estou cá para dar a cara” e essa é uma das razões que me levou a recandidatar-me e depois também porque, do ponto de vista mais estratégico, global e político, é hoje possível concluir que se tentarmos construir soluções com os atores, obviamente com o peso político e institucional que algumas pessoas têm, podemos conseguir resultados. A verdade é que há medidas concretas que vão constar, por exemplo, em programas operacionais, que foram resultado da chamada “Cimeira da Guarda” entre os presidentes dos Politécnicos, os autarcas e os ministros. Isto também nos devolve alguma confiança e algum otimismo para continuarmos neste rumo e nesta batalha.

P – Conta ter adversários nas eleições?

R – Embora isso faça muito bem ao ego, eu não gosto, por princípio, de ser candidato único, mas infelizmente isso tem sempre acontecido comigo. É talvez sinal que as pessoas reconhecem capacidade e entendem que não são alternativa, mas acho que seria bom e útil que o Conselho Geral tivesse a oportunidade de escolher. Não tenho nenhum complexo quanto a isso. Estou disponível para servir o Instituto, a Guarda e a região, não é nenhum projeto de poder pessoal, não é isso que me motiva nem a ambição de ser presidente. Se calhar ficaria, do ponto de vista pessoal, muito mais descansado se me remetesse às funções de professor, mas acho que, estrategicamente, para o IPG e sobretudo para o Conselho Geral era interessante que houvesse mais do que uma candidatura porque significa que haveria estratégias diferentes. Eu espero que haja, caso contrário, cá estarei cá para assumir a minha responsabilidade. Mas vamos aguardar.

Perfil:

Nome: Constantino Rei

Idade: 52 anos

Professor Coordenador

Presidente há quatro anos

Vice-presidente durante 18 meses (nomeado em 2009, até setembro 2010)

Sobre o autor

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