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Motivações

Quando os deputados se insultam mutuamente no parlamento, o que fazem cada vez mais e com cada vez mais agressividade, estão aparentemente a desempenhar o seu papel. Eles representam os seus partidos, que representam o país, que deveria sentir-se reflectido com o que se passa no Hemiciclo. Há quem não se sinta reflectido, e se mostre até constrangido, como Marcelo Rebelo de Sousa neste último Domingo na RTP1. Para sermos francos, acredito haver muitos portugueses que se não revêem naquilo. Não tenho bem a certeza é se os deputados se apercebem da imagem que o país vai formando sobre o que ali se passa. Concedo também que boa parte dessa imagem é injusta, que as televisões apenas transmitem o pior de cada reunião plenária, partindo do princípio que é isso que os cidadãos eleitores querem ver e ouvir.

Ocorria-me tudo isto quando, em viagem, há dias, ouvia na TSF o debate em curso na Assembleia da República. Havia, como há todos os dias, notícias graves sobre a situação económica do país. As agências internacionais de rating de crédito baixavam a cotação da República, agravando para todos nós o custo do dinheiro; o FMI insistia na necessidade de subida dos nossos impostos; empresas fechavam, lançando mais umas centenas de trabalhadores para o desemprego; a dívida pública, o défice orçamental e o futuro de todos eram preocupações constantes, reflectidas na generalidade das notícias. Mas não dos deputados. Estes discutiam espionagem política e preocupavam-se geralmente em demonstrar uns aos outros, e ao país, a falta de honestidade “política”, ou coerência (quase todas as discussões no parlamento se cruzam com esta palavrinha), ou competência (esta menos) dos seus adversários políticos. Em geral, e é uma opinião, conseguiam. Não ouvi foi uma palavra que me tranquilizasse sobre o que pensam fazer em concreto para resolver os nossos verdadeiros problemas.

É aqui que entra a questão das motivações. Se eles, aparentemente, se não importam com o país, ou pelo menos não o demonstram, com que se preocupam, quais são as suas verdadeiras motivações? Adianto uma resposta: a sua motivação é o empregozinho que conseguiram depois de uma dura batalha em que tiveram de vencer, primeiro, os adversários dos seus próprios partidos e, depois, os dos partidos concorrentes.

Tal como a Assembleia da República divulga transcrições de tudo o que se diz nas reuniões plenárias, deveriam ser publicadas transcrições das reuniões nas sedes dos partidos, e não me falem em espionagem política!, antes e depois das eleições. Seria instrutivo ver como se distribuem cargos e se negoceiam lugares nas listas. Assim como seria interessante ver o investimento a que alguns se dispõem para vencerem as eleições concelhias e distritais dos seus partidos – para depois, e antecipo conclusões, poderem distribuir empregos pela clientela. Estamos aqui, claro, em pleno território do que se usa chamar “o aparelho”, aquela instituição partidária que transforma em segurança económica para alguns as preferências do que se usa chamar de “as bases” (calão com efeito de modificador de género para “militantes de base”). As motivações destas são ainda mais estranhas, sobretudo quando são elas (eles) quem melhor conhece os “barões” do aparelho.

Então porque não gostam os deputados uns dos outros? Ou porque não gostam em geral os políticos uns dos outros? Fácil, se reduzirmos a questão ao simples problema económico de os empregos na política serem escassos e a opinião pública ser desfavorável ao aumento do número de deputados em particular e cargos de confiança política em geral. Quando ouvirem de novo falar em regionalização, considerem isto.

Por: António Ferreira

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