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Morangos verdes

observatório de ornitorrincos

No Verão, há três coisas a que Portugal inteiro já não consegue escapar. Aos incêndios, às capas de A Bola sobre o Benfica e aos Morangos com Açúcar. Dos incêndios é voz comum dizer que acabam mais dia, menos dia por não haver mais mata para queimar e A Bola alguma vez terá de começar a dar notícias a sério, quando tiver já contratado todos os treinadores importantes para o Benfica. Já os Morangos representam um perigo maior, enquanto houver adolescentes a fazer fila para os castings da novela e a apreciar as cantigas dos D’ZRT. (Até porque, num grupo adolescente, “tanto me faz” deveria rimar com “por trás” e não com “coisas más”, mesmo que para muitas raparigas sejam expressões sinónimas.)

Se enquanto houver uma árvore, a floresta não morrerá; se enquanto houver uma glória do Benfica, A Bola não se calará; também enquanto houver uma teenager, a série dos Morangos não terminará. A esta altura, o leitor mais atento perguntará qual a razão de me referir apenas aos Morangos com Açúcar. Acaso a Floribella também não incomodará? Primeiro, acho simpático o leitor fazer-me perguntas. Segundo, este espaço lida apenas com temas ligeiros. A Floribella é assunto para o Tribunal Penal Internacional.

A série da TVI, sobre uma pandilha de adolescentes, tem episódios de Verão e episódios de Inverno. Quando vistos sem som (a única maneira de seguir a novela) estes últimos são quase sempre enfadonhos e desinteressantes, apenas polvilhados aqui e ali com uma cena de ginásio ou balneário. Já a série estival tem o mérito de ser um desfile permanente de miúdas em biquini, numa espécie de spring break alargado. O programa torna-se por vezes tão visualmente estimulante que chega a dar vontade de pôr som na televisão só para conferir se o diálogo acompanha tão espaventoso grafismo. Não adianta. É sempre um erro.

Pelo ecrã escorrem um conjunto de amigas boazinhas e boazonas, umas poucas mazinhas boazonas, duas mãezinhas boazonas (Rute Marques e Sónia Brazão), uma ou duas estúpidas boazonas, uma interesseira boazona, a Paula Neves e a Ana Zanatti. No rol das personagens pontificam também várias pessoas (chamar-lhes “actores” parece-me largo exagero) que se esforçam tanto por representar como os funcionários das repartições públicas por agradar aos cidadãos.

Destaco do elenco o caso de Paula Neves e daquilo que temos em comum. Além de partilharmos a mesma formação académica (Sociologia) temos o mesmo jeito para a representação (nenhum). Muitos dos meus alunos, quando terminam a licenciatura em Sociologia, temem não conseguir emprego e ter de ficar eternamente a fazer papéis de românticas sonsas nas novelas da TVI. Um aspecto positivo desta experiência profissional é que Paula Neves vai poder continuar a vestir-se mal, um dia que chegue a trabalhar como socióloga.

A série tem produzido também várias bandas de adolescentes, versões televisivas das antigas bandas de garagem, com a diferença de terem mais público e menos talento. Com tantos grupos de rock e raparigas de roupa diminuta, a produção da TVI podia bem ter como subtítulo Bandas e Bundas.

Quanto ao enredo – a “história” – não faço a mais pequena ideia qual seja. Não sei ler nos lábios. E mesmo que soubesse não é para aí que olho quando estou a ver os Morangos com Açúcar.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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