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Micro-empresários de Trancoso fogem à crise pela via da internacionalização

Vendas no estrangeiro das pequenas empresas da região são cada vez mais significativas e algumas já exportam mais de metade do que produzem

No passado mês de março, Portugal bateu o recorde de exportações. Em valor absoluto, os produtos transacionados para o estrangeiro renderam ao país mais de 4.000 milhões de euros, mais 200 milhões que a anterior marca, de há quatro anos. A exportação apresenta-se assim como um caminho válido para fugir à crise que assola o mercado nacional e que já está a ser percorrido alguns micro-empresários da região, dos setores agro-alimentar, carpintaria e rochas ornamentais. Algumas destas empresas já exportam mais de metade da sua produção.

É o caso da Trancosopedra, que realiza com a França e a Suíça «80 por cento do volume de negócios», segundo a responsável Cristina Fonseca. «A crise é bastante sentida na nossa zona e perante esse cenário são importantes os negócios com o estrangeiro para equilibrar a balança», diz. Nesta empresa do ramo das rochas ornamentais, «as vendas lá para fora até têm subido e é o que nos vale», acrescenta a responsável, concluindo que «neste momento, quem nos está a manter é o estrangeiro, pois trabalhamos quase em exclusivo para fora». Quanto ao mercado interno, Cristina Fonseca admite que «não está favorável e vai continuar assim por o setor da construção civil estar praticamente parado. Ainda temos a sorte de trabalhar com os melhores empreiteiros da região, que vão tendo algumas obras e é isso que nos vai valendo os restantes 20 por cento de volume de negócios», acrescenta, referindo que na zona de Trancoso «há duas ou três obras significativas num ano, o que é manifestamente pouco».

A exportação continua, por isso, a ser uma aposta fundamental para esta empresa. «Aliás, se não fossem as vendas para o estrangeiro, não sei como seria», afirma Cristina Fonseca. A responsável confessa ter «algum receio» com a mudança de governo em França, «pois não sabemos bem como as coisas vão correr», mas até agora «não há razões para alarme, porque as encomendas até têm subido». No mesmo setor, a Marmoraria Trancosense também depende largamente das exportações. «Neste momento, seguramente 60 por cento da nossa produção é destinada ao estrangeiro, concretamente França e Suíça», confirma Hélder dos Santos. «O negócio por aqui está péssimo, sente-se a crise, não tanto pela falta de trabalho, mas pelo facto dos preços não serem o que eram. Tem de se trabalhar muito mais e ganha-se muito menos para que a atividade seja minimamente rentável», afirma o responsável.

Emigrantes constroem menos

No mercado interno, «vão-se vendendo algumas bancadas de cozinha, algumas campas e pouco mais». O volume de negócios «caiu um pouco comparativamente ao ano passado, em termos nacionais, mas na exportação aumentou». Apesar disso, este empresário está preocupado com os pagamentos, «que nem sempre são feitos no devido tempo». As expectativas são, contudo, «muito boas» para o mercado externo, «principalmente no que diz respeito ao mercado suíço, que não acreditava nas rochas ornamentais e que agora regista uma utilização crescente deste material. É o país para onde vendo mais, vou lá sempre três a quatro vezes por ano para fechar negócios», revela. O otimismo não se estende à situação portuguesa. «Temos dez anos para recuperar esta situação, porque antes disso não vai ser fácil», considera Hélder dos Santos. «Cada vez há menos gente e o emigrante, que era quem ia mantendo de pé a economia local, também constrói menos», constata.

Na Granitos Santos e Capelão, Lda, o responsável João de Deus Santos também se queixa que «os negócios andam muito em baixo, muito fracos», acrescentando que «o que me vale é que vou exportando alguma coisa». Os mercados suíço e francês estão igualmente entre os principais destinos das suas exportações, que também vende para Espanha. «Ainda assim, continuo a vender mais para o mercado nacional», refere, que se mostra pessimista em relação ao futuro. «O nosso interior já estava mal e agora cortaram-nos as pernas com as portagens nas auto-estradas», considera. «Desde que a A25 tem portagens, só fui a Espanha uma vez. Nem nós lá vamos, nem eles cá vêm e há negócios que deixam de se fazer por causa disso», alerta, dizendo que clientes da zona do Porto também deixaram de vir, «pois dizem que gastam mais em portagens do que em combustível e preferem comprar lá».

«Se dependermos só do mercado português, a não ser que haja mudanças de fundo, a solução é fecharmos todos a porta», conclui. No setor da carpintaria, a empresa Aristides Saraiva & Filho, Lda. também tem na exportação uma importante fonte de rendimentos. «30 por cento da nossa produção vai para fora, principalmente para França, e grande parte dos restantes 70 por cento é destinado a emigrantes», refere Rui Saraiva. «Vai-nos valendo a parte da emigração para trabalharmos, porque no mercado nacional a situação não é favorável. Vai havendo trabalho, mas nada de significativo», afirma. «Nos nossos negócios, tem muito peso o estrangeiro e quem vem de lá», conclui. Quanto ao cliente português, Rui Saraiva considera que «já não tem muita disposição para obras e com a crise passa a ter ainda menos. Além disso, como já há portas, chãos e rodapés à venda em qualquer lado, se é necessário fazer algum biscate, as pessoas compram e assentam elas próprias e não recorrem às carpintarias».

As expectativas deste empresário apontam por isso para que o mercado nacional se mantenha fraco, «até porque neste setor há muita concorrência, e não há trabalho para tanta gente». «Já lá fora, se não houver uma qualquer mudança repentina, penso que o volume de negócios se poderá manter e até aumentar», acredita.

Setor agro-alimentar também se “vira” para a exportação

A partir da freguesia de Freches, a Queijaria Artesanal de Alfredo Saraiva exporta para o mercado brasileiro «700 quilos de queijo todos os meses, o que equivale a cerca de 10 mil euros». A oportunidade da exportação surgiu «há um ano, depois de ter sido contactado por um brasileiro», conta Alfredo Saraiva. Depois disso, «foi necessário fazer obras e modernizar a produção, porque obviamente não estava preparado, pois exportar para o Brasil não é o mesmo que exportar para a Europa», afirma. Um investimento de que o responsável não se arrepende, garantindo que «até agora valeu a pena».

Este volume de exportações contribui por isso para que esta queijaria, que existe à 14 anos e é uma das maiores produtoras de queijo da serra certificado do país, não sinta os efeitos da crise. «Este ano tem sido bastante melhor do que 2011, que já foi melhor que 2010. O negócio do queijo, pelo menos para mim, tem registado um crescendo», adianta Alfredo Saraiva.

Também em Freches, a Salsicharia Artesanal Coelho está a preparar-se para colocar os seus produtos além-fronteiras. «Ainda não exportamos, mas poderemos vir a fazê-lo muito em breve. Posso adiantar que estamos em negociações com alguns estabelecimentos comerciais em França e na Suíça para ali comercializarmos os nossos produtos», revela Nuno Coelho, responsável da empresa. «A oportunidade surgiu através de contactos com emigrantes aqui da nossa zona, que provaram os nossos produtos e gostaram», acrescenta, salientando que «em agosto, 80 por cento do nosso volume de negócios é feito com os emigrantes».

80 por cento da produção da Trancosopedra destina-se ao estrangeiro

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