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Meu querido Marcelo Rebelo de Sousa

Imaginei que uma carta minha tivesse pequena importância, aquela que cabe onde se recebem dezenas diariamente e por força da quantidade, a gota não muda a maré. Assim dirijo-me a si nas palavras que divulgo aos outros, escrevendo as minhas asperezas neste momento de grande divergência consigo.

Fiquei perplexo com a quantidade de ferroadas, de maledicências, de bota abaixo que foi usando nas suas ultimas conversas públicas na TVI. Parecia um encontro de ideias com Sousa Tavares, com Pacheco Pereira, com Vila Verde Cabral e tantos outros que estimo e admiro. Estão todos contra Santana Lopes e todos de forma tão agreste e violenta que cheira a ciúme, a mau perder e a obliquar. Que vos fez de tão mal o sucesso do homem? Não foi brilhante nas aulas? Não deu em professor? Não escreve bem? E depois? Tem a vitória social e as vitórias eleitorais do Sporting, da Figueira da Foz e de Lisboa. O Professor lembra-se das vezes que ganhou eleições públicas? Perdeu em Lisboa de forma clara. E outras em que fosse número um? O homem tem um talento especial para o povo e o povo vota nele. Actores, futebolistas, fadistas não chegaram a posições de poder? Eram gente modelar? O mérito de saber de perfumes, flores, caixas de cigarros, utensílios domésticos é menor que o de geografia, história, sociologia ou política? Quem avalia a cultura e a importância dos seus vectores? O que é a cultura de hoje? Os e-jogos, a Internet, as consolas, os joysticks, e outras culturas novas ofendem as Vossas? E que dizer da compartimentação da cultura e dos saberes, formando especialidades herméticas e intransponíveis? Lembro a arrogância com que uma das Marias da abrilada ofendia o herdeiro da Sonae, colocando-lhe questões literárias num programa directo. Uma petulância que nada engrandece a cultura.

Cito Benard da Costa, Silva Melo, Graça Moura ou Boaventura Sousa Santos que flagelam com a vaidade das suas escritas. São discursos para o interior que jamais exercerão o fascínio dos jovens. É por isso também que alguma intelectualidade nos impede de reformar a escola e a universidade. Nem sempre os que parecem melhor são. È num peso disforme de talento, cultura, subserviência, preguiça, falta de imaginação que as nossas faculdades se carregaram de asnos e de broncas pessoas que transportam imodéstia e franzino contributo internacional. Muitos talentos novos fogem para escapar a mestres de trabalhos zero. Ninguém audita as universidades e os seus contributos científicos. Ninguém estipula prazos claros e impõe sanções. Ninguém distingue os melhores dos descartáveis.

Sabem eles governar melhor que Santana Lopes ou José Sócrates? Tem a esquerda do PS e a intelectualidade universitária do PSD mais condão governativo? Haja Deus! Vi tantos seres brilhantes produzirem tanta asneira legislativa e serem tão intolerantes no Governo. Recordo o exemplo triste de Abril de 1974 e dos despautérios que cometeram pessoas ilustres que preso e admiro, que o Professor melhor que eu saberá citar. E então? O ataque nacional dos “média” ao Primeiro-ministro não lhe merece comentários? O poder dos “média” vai governar Portugal? Recorda Karl Popper e as suas preocupações sobre a televisão? Podemos apoucar antes do gesto? Podemos diminuir antes de avaliar? Podemos denegrir à priori? Lembro as avaliações da Expo 98, do Centro Cultural de Belém e agora do euro 2004. A obra calou os detractores.

Santana Lopes teve direito a tudo: demissões no partido para o destruírem, avaliações parciais da suas crónicas, mexericos, má-língua e mensagens de telemóvel para o delatar. Mas do Sr. Professor esperava muito mais. Esperava a lição, a eloquência, a primazia da dúvida e depois a crítica feroz. Começou ao contrário, começou sugerindo-se para o lugar e depois perversamente gastando o adversário. A intolerância é um dos pecados capitais da política. Outra coisa é o consenso. Sou um aficionado da alternância e da auditoria. Se avaliarmos as performances podemos fazer juízos e tomar melhor as decisões. Os consensos como agora contra Santana Lopes deixam-me perplexo. Cheiram-me a concertação, a trabalho burilado para denegrir. Sócrates parece-me estar a ser vitimado da mesma jogada. E se forem horríveis? Para isso temos os mecanismos democráticos, as Instituições para impedir desvios e exercer a força da Lei. Esta é a missão das pessoas não eleitas que exercem cargos magistrais na democracia. Ficaremos para outras linhas se me der o prazer da resposta. Deste que muito o admira, Diogo Cabrita.

Por: Diogo Cabrita

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