Conheci Mário Soares logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, ainda eu não era militante do PS. Quando veio do exílio em França, eu e mais algumas pessoas fomos esperá-lo a Vilar Formoso. Nessa altura tivemos logo aquele clique devido ao apreço e admiração que tinha por Mário Soares.
Em agosto de 1974 filiei-me no Partido Socialista, por proposta do falecido João Gomes, e a partir daí nasceu, de facto, uma amizade profunda e muito grande com Mário Soares, que ganhou ainda mais relevo a partir do momento em que fui eleito presidente da Câmara da Guarda, em 1976. A partir daí, fui seguindo sempre os seus conselhos, a sua postura. A cidade teve o privilégio de receber as primeiras comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, a 10 de junho de 1977, porque foi Mário Soares, então primeiro-ministro, que sugeriu ao Presidente da República Ramalho Eanes que se fizessem na Guarda. Mais tarde, em março de 1988, quando era ele Presidente da República, fez a primeira presidência aberta na Guarda…
Conheci, de facto, o íntimo de Mário Soares, um homem a quem devo tudo aquilo que sou em termos políticos, em termos sociais, em termos de convivência. Eu aprendi com ele o diálogo, a tolerância e a respeitar os adversários e vários inimigos políticos. Havia um reconhecimento mútuo entre ambos.
Por isso, no sábado perdi um companheiro que me protegeu, me amparou e aconselhou durante toda a minha vida política e social. Mário Soares é um pouco de mim, a sua partida significa também um pouco a minha partida. As pessoas confundiam muito o Abílio Curto com o Mário Soares por causa da amizade fraterna que nos unia. Era uma amizade diferente, que não se pode descrever.
Mário Soares era um homem de consensos, que não temia nada. E até quase na hora da morte ele venceu, só ao fim de 23 dias é que deu o seu suspiro final. Para mim ele partiu fisicamente, mas estará sempre comigo enquanto eu também tiver um sopro de vida. Mário Soares foi o meu inspirador, o meu ídolo, o meu herói, o meu guerreiro, o meu combatente. Morreu um estadista, que não é de Portugal, nem da Europa, é um estadista do mundo.
É o “pai” da democracia portuguesa, da liberdade. Um homem que tudo sacrificou para o bem de Portugal e dos portugueses. É um adeus físico, mas não um adeus espiritual porque Mário Soares será sempre o meu guia, o meu companheiro, o meu camarada, o meu fraterno amigo que nunca esquecerei. Não esqueço um episódio que me marcou profundamente. Foi em 1985, duas semanas depois de ter sido eleito Presidente da República, ele veio de propósito de helicóptero, que aterrou na parada do quartel da GNR, e deslocou-se a minha casa, eu estava acamado com uma depressão enorme. Mário Soares esteve deitado ao meu lado, na minha cama, a consolar-me e a mimar-me.
Tenho vários episódios com ele, que me acompanhou nas horas difíceis. Eu tive um pai, tive uma mãe, que são dois heróis, mas tive também um pai espiritual, chama-se Mário Soares. Sinto uma grande dor, uma grande perda, mas vou recordá-lo até ao fim da minha vida. Era muito fiel àquela máxima que se costuma dizer: “eu perdoo, mas não esqueço”. Por isso, ele sabia perdoar, era tolerante, embora pudesse dar a impressão que seria agressivo em determinadas ocasiões. Era um homem de grandes gargalhadas, que gostava de viver a vida, mas era, acima de tudo, um homem que nasceu para a política. E nasceu para a política para libertar Portugal e os portugueses de uma ditadura feroz, que durante 48 anos nos atormentou. Hoje, Mário Soares é uma figura indissociável da democracia, da liberdade e dos direitos humanos.
Abílio Curto*
* Depoimento recolhido por O INTERIOR
* Ex-Presidente da Câmara Municipal da Guarda