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Máquina fotográfica leva antigo comandante da BT da Guarda a tribunal

Cruz Ribeiro vai ser julgado pelos crimes de denegação de justiça, prevaricação e peculato

O Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Coimbra acusou formalmente o capitão Cruz Ribeiro, antigo comandante do destacamento da Guarda da Brigada de Trânsito (BT), dos crimes de denegação de justiça, prevaricação e peculato. Já os crimes de corrupção e falsificação imputados ao graduado foram arquivados por falta de provas. Na origem do caso está a denúncia de um sargento da Guarda Nacional Republicana (GNR), agora assistente no processo interposto pelo Ministério Público (MP), e uma máquina fotográfica, de cerca de 4.000 euros, de que alegadamente se apropriou após tê-la recebido como garantia do posterior pagamento de uma multa, de 35 a 135 euros, aplicada a um cidadão estrangeiro no IP5 em Outubro de 1995. O problema é que o automobilista, que invocou não ter dinheiro para pagar a contravenção, pôde continuar viagem sem problemas – quando o Código da Estrada determina a apreensão do veículo em situações idênticas – e nunca liquidou a referida coima, supostamente paga pelo próprio Cruz Ribeiro na Direcção-Geral de Viação (DGV) da Guarda em Julho de 1996.

Segundo o despacho de acusação, a que “O Interior” teve acesso, tudo começou com uma manobra perigosa na zona da “Curva do Alvendre”, no IP5. Um cidadão brasileiro, fotógrafo profissional e residente em França, foi apanhado por uma patrulha da BT a transpor um duplo traço contínuo quando efectuava uma ultrapassagem. Mandado parar, foi aplicada ao infractor uma multa que podia ascender, no mínimo, a 35 euros e a um máximo de 135 euros, tendo ainda sido informado de que a sua conduta era passível de uma sanção acessória de inibição de conduzir, entre um a seis meses. O auto de notícia de contra-ordenação foi assinado de imediato pelo automobilista, que, no local, disse ao agente da BT autuante não ter dinheiro para pagar a coima aplicada, nem para efectuar qualquer depósito de caução. Uma confissão que o levou até às instalações do destacamento de trânsito da GNR, na Guarda, onde era suposto ser-lhe apreendido o ligeiro de mercadorias que conduzia, como prevê o Código da Estrada. Aí, o condutor terá supostamente proposto ao então comandante da BT deixar como garantia do posterior pagamento da contravenção uma máquina fotográfica, de marca Canon, modelo T90, equipada com uma óptica fixa, no valor de cerca de 4.000 euros, «pedindo que não lhe fosse apreendido o veículo, pois tinha urgência em seguir viagem», narra a acusação.

Capitão pagou multa do infractor

Uma proposta alegadamente aceite por Cruz Ribeiro sem que este tenha mandado apreender o automóvel. «Indo frontalmente contra o que estava preceituado no Código da Estrada e nos diplomas que regiam a sua actividade», o arguido acabou por deixar o infractor seguir viagem no veículo «sem que tivesse pago qualquer montante ou efectuado qualquer depósito, aceitando receber a referida máquina fotográfica como garantia de um posterior pagamento», sustenta o MP no documento atrás citado. O juiz de instrução apurou depois que o automobilista nunca pagou a multa, tendo sido mesmo o capitão da BT a liquidar a coima – no seu valor mínimo, apesar de esgotado o prazo para pagamento voluntário – na DGV da Guarda em Fevereiro de 1996 após ofício daqueles serviços. Posteriormente, o DIAP verificou que a máquina fotográfica ainda se encontrava no destacamento em Dezembro de 2001 e que Cruz Ribeiro terá então alegadamente informado o seu substituto no comando da corporação – o sargento-ajudante Celas Pinto – de que «ela era sua, tendo-a levado consigo de imediato, passando a dispor da mesma».

MP entende que Cruz Ribeiro agiu de «forma abusiva»

A acusação prossegue adiantando que só em Setembro de 2002, «e após ter sido expressamente notificado para isso» no âmbito do processo de averiguações que lhe foi movido pelo Comando Geral da GNR, é que o graduado iniciou diligências para localizar o automobilista para lhe devolver a máquina. Que foi registada «pela primeira vez» no “Mapa da Situação de Aparelhos Especiais do Destacamento de Trânsito da Guarda em Abril de 2003, passando «desde então a fazer parte do seu espólio particular». Face a isto, o Ministério Público entende que o capitão infringiu «frontalmente» as normas aplicáveis ao caso e agiu contra as «obrigações» a que estava sujeito enquanto militar graduado da GNR,«bem como do especial dever que tinha em cumprir, e fazer cumprir, as leis e regulamentos em vigor por ocupar uma posição de chefia e ser inclusive considerado uma autoridade de polícia criminal». Sem contemplações, o MP considera que o capitão «quis beneficiar o infractor, sabendo que simultaneamente prejudicava o interesse do Estado português em exercer o seu poder punitivo». Assim sendo, para o MP, Cruz Ribeiro «quis obter benefícios patrimoniais a que não tinha direito, o que conseguiu, aproveitando-se, para tal, de forma abusiva», das suas funções de comandante do destacamento da BT da Guarda. Para fazer valer a sua tese, o DIAP arrola como testemunhas de acusação dois inspectores da Polícia Judiciária da Guarda e dez agentes da GNR. De resto, propõe o julgamento do capitão, que já cumpriu a medida de coacção de termo de identidade e residência, perante um colectivo de juizes do Tribunal Judicial da Guarda. Até há hora do fecho desta edição, não foi possível obter um comentário de Cruz Ribeiro, actualmente a exercer funções no Grupo Regional de Trânsito de Lisboa.

Luis Martins

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