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Manual de instruções para solteiros em férias

Observatório de Ornitorrincos

A proximidade das férias é terrível para rapazes e homens solteiros, sem pais nem namoradas com quem passear. Às perguntas “Onde é que vais passar as tuas férias?” e “Com quem é que vais?” apetece responder raivosamente: “Vou para as Bahamas com a tua mulher/mãe/irmã/filha (conforme quem pergunte) e só voltamos quando ela já estiver grávida. Pela segunda vez.”

Alguns solteiros, pouco merecedores desse nome, combinam férias com amigos e (pouca vergonha!) com amigas. Outros dão passeios sozinhos e organizam tudo com antecedência e não falham um minuto ao planeado. Se é para passar as férias como se tivessem uma família, não adianta ficarem sozinhos. O problema desta gente não é falta de cuidado, é falta de atenção. Não deve haver mais de três mulheres na Terra que não cobicem homens destes. Tratem disso, camaradas. Aproveitem. Além disso, as más comparações feitas entre estes seres organizados e viscosos e os solteiros de alma e coração são parte significativa do injusto descrédito social a que são votados os últimos.

Um solteiro nunca marca férias. Vai apenas onde calha e onde haja gajas à solta. Se não puder ir a nenhum desses templos (por falta de tempo, dinheiro ou visto), fica em casa. A casa de um solteiro moderno está devidamente equipada com internet, canais codificados e um volume razoável de Playboy’s e Penthouse’s – em alguns casos de maior fervor espiritual, a colecção das Gina’s está guardada religiosamente em pequenos santuários. Basicamente, tudo aquilo de que a vida sexual de um solteiro necessita. Deve-se sair de casa, sim, mas para ir ao café do costume, ao bar do costume, ao restaurante do costume e ao quiosque do costume, onde será sempre recebido calorosamente. Ao contrário dos pobres tontos viajantes solitários, à descoberta do mundo, mal tratados e atarantados, os solteiros preferem o aconchego do apartamento e do pequeno mundo ao seu redor – um círculo com três quilómetros e meio de diâmetro.

Um solteiro não visita monumentos. Aguarda que algum monumento o visite. E nem por isso arruma a casa. No máximo, lava alguma louça com a mangueira ligada ao compressor que o vizinho casado do andar de cima tem na garagem. As férias foram feitas para descansar. E se não se lava a louça durante o ano, muito menos se fará nas férias.

Um solteiro deve ter sempre à mão o indispensável para um ou mais dias sem sair de casa. Litros e litros de bebidas com álcool ou com gás, ou com álcool e com gás e um guia de programação da televisão. Outros víveres indispensáveis para o Verão são azeitonas e limão, ambos cumprindo duplas funções. As azeitonas servem para comer e para pôr no Martini – um conjunto que serve na perfeição para pequenos-almoços de Verão. O limão pode ser usado ao almoço – no gin-tónico – e ao jantar – num vodka limão. Além disso, este citrino é de extrema utilidade no tempero de qualquer coisa que esteja no frigorífico há mais de três semanas. Uma quantidade razoável de limões espremidos em cima da comida tira qualquer sabor desagradável que o tempo lhe tenha acrescentado. Latas de sardinhas em tomate picante são também compras aconselháveis. Primeiro porque dão ainda mais sede e não se pode deixar estragar a cerveja. Segundo porque o picante é um óptimo conservante. Por isso as latas duram de uns anos para os outros e nunca se sabe o dia de amanhã.

Para terminar, 2004 não foi nada bom ano para fazer férias fora de casa. Havia o terrorismo e tudo isso, mas principalmente disputou-se o Europeu de futebol, a Copa América e os Jogos Olímpicos. E deu tudo na televisão. Afinal os Verões felizes não acabaram na adolescência.

EU VI UM ORNITORRINCO

Vi, sim. Muitos, mesmo. Mas não falo disso. Não estou para intrigas. Estou de férias.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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