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Manter a coluna direita

Observatório de Ornitorrincos

A ERC quer impedir qualquer pessoa que integre uma lista nas eleições que se aproximam de manter colunas de opinião em órgãos de comunicação, porque, entre várias razões, aumenta de forma desigual a visibilidade do candidato. Pela mesma razão, a ERC vai obrigar todos os candidatos a usar uma bata igual, para não prejudicar quem usa Fabio Lucci em vez de Prada, e a fazer discursos parecidos, para não beneficiar quem tenha por padrão a eloquência de Churchill e não os livrinhos de leitura da 4ª classe do Estado Novo. É justo que ninguém tenha mais visibilidade pela simples razão de vestir ou falar melhor (se Rodrigo de Sá Nogueira aqui estivesse diria “mais bem vestir ou falar” e mandava-me trabalhar para a ERC). Se o critério da mínima visibilidade comum tivesse sido utilizado nas eleições europeias, Rui Tavares não poderia escrever no Público e Vital Moreira não poderia usar aquele penteado. Aliás, isto leva-me a crer que uma vez mais a ERC pretende favorecer o Partido Socialista, porque quanto maior for a visibilidade dos seus candidatos, maiores são as probabilidades de perderem as eleições. A ERC obriga desta forma os políticos ou pretendentes a tal a andarem todos pela sombrinha de maneira a que se dê pouco por eles. Se isso fizer com que apareçam pouco e deixem o fim da tarde para ver os Morangos com Açúcar de Verão (versão só imagem), só tenho isto a dizer: ERC, obrigado.

Foi por causa desta directiva que eu tive de me fazer um bocadinho “Joana Amaral Dias” e rejeitar um convite para estar numa lista concorrente a uma eleição que se aproxima. Nesse caso, a minha participação obrigar-me-ia a abandonar esta coluna, facto que deixaria dois tipos de leitores mais aliviados: os que não gostam que se brinque com coisas sérias e os de esquerda. Bem, afinal é só um tipo de leitor. Provavelmente é mesmo só um leitor. Se calhar o único que ainda aguenta estes textos quase até ao fim, com o proverbial optimismo de quem sonhou com sociedades sem classes, até desistir a três linhas do fim, quando percebe que

o autor já não tem emenda

os textos nunca vão ter

a única coisa que deixou de ter classes foi a escola primária.

Não vou aqui revelar quem me fez o convite nem para que lista, porque agora não tenho tempo para ir passar férias a Espanha nem me apetece desligar o telemóvel. Digo apenas que fui convidado para o penúltimo lugar da lista. E acrescento que para figurar quase no fim, já me basta a penúltima página onde este texto é publicado. E a mim ninguém me convidaria para nenhum instituto, muito menos de drogas e toxicodependentes. Primeiro, porque sou pouco institucional. Segundo porque sou analfabeto em assuntos de alteridade da consciência. Terceiro, porque estaciono pouco o carro em ruas movimentadas sem parquímetro.

Há um facto que posso revelar. O convite não era para listas do PS e portanto não foi feito pelo Dr. Paulo Campos em nome do Dr. Paulo Campos. Mas se alguma vez nós, Dr. Nuno Amaral Jerónimo, abandonarmos o Observatório de Ornitorrincos para nos envolvermos na refrega partidária, nós, Dr. Nuno Amaral Jerónimo, garantimos aos leitores que nunca falaremos de nós próprios, Dr. Nuno Amaral Jerónimo, na terceira pessoa do singular, como qualquer médio defensivo Miguel Veloso, mas sim na primeira pessoa do plural, como Suas Majestades, D. Miguel, El-Rei de Portugal. A haver criatividade sintáctica, que as referências sejam as melhores. A não ser que a ERC considere o pronome plural um excesso de visibilidade e me obrigue a referir-me a mim próprio como “eu, o palhaço do Nuno”. Mas para isso, lá está, não preciso da política. Basta-me esta coluna e a minha família.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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