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Mal-Estar na Educação

Diz Vital Moreira, na sua coluna no Público desta terça-feira (O “mal-estar” nacional), que apesar das muitas queixas, vindas dos mais variados sectores, estamos hoje bem melhor do que faz crer a nossa comunicação social. Concordo com ele, e reitero mesmo, como já o escrevi que, em geral, nunca estivemos tão bem como hoje. Ou melhor: é provavelmente impossível de descortinar um período temporal na nossa história com índices sociais e económicos superiores aos de hoje. Vital Moreira não toma posição sobre as recentes preocupações à volta das nossas escolas, embora vá dizendo que ao menos por aqui não há crimes com armas de fogo. Poderia contudo, se quisesse utilizar aqui o mesmo argumento que sobre os outros temas, dizer que na faixa etária dos 25 aos 35 anos temos elevados níveis de escolaridade e literacia, que o analfabetismo desceu para níveis antes impensáveis e a frequência escolar e universitária subiu para valores próprios do primeiro mundo. É tudo verdade.

É verdade também que a violência nas escolas não pára e estas parecem não ter uma resposta a dar a essa violência. Segundo o novo Estatuto do Aluno, a estudante que agrediu uma professora durante a aula de francês tem como sanção máxima possível a transferência de escola. A sanção seguinte prevê a transferência de turma. Poderão dizer-me que seria possível à professora, ou até à escola, participar criminalmente os factos ao Ministério Público. Sucede que se trata aqui de uma menor e por isso não teria de responder criminalmente pelos factos, mas apenas em sede de “processo tutelar educativo”. Neste, a sanção mais grave, prevista para menores com mais de 14 anos de idade, consiste no internamento em centro educativo – desde que aos factos, se tivessem sido praticados por um adulto, corresponda pena de prisão superior a cinco anos (o que não é o caso). As outras sanções vão desde a admoestação à proibição de conduzir ciclomotores, passando pela reparação ao ofendido. Esta última, podendo ter expressão económica, terá de ter sempre em conta as disponibilidades financeiras do menor, o que é o mesmo que dizer que ele só paga se os pais dele quiserem. Sem entrarmos aqui no regime da responsabilidade civil dos pais pelos actos praticados por menores a seu cargo, torna-se evidente que todo o sistema se transformou numa brincadeira politicamente correcta e sem qualquer poder de dissuasão contra abusos levados a cabo por alunos. Em contrapartida, se um professor perder a cabeça e responder com uma agressão à agressão de que for alvo por um estudante, tem como certo um processo disciplinar e aí ele tem muito a perder, começando pelo emprego.

Temos assim uma situação de total desequilíbrio entre as partes, em que a coberto da menoridade de uns, os alunos, se foram transformando outros, os professores, em autênticos reféns dos primeiros. Estes compreenderam-no já e começam a agir em conformidade. O pior é que a falta de sanções adequadas para a prática de crimes na escola está a funcionar como reforço positivo para essa prática. No direito criminal procura-se, com uma norma punitiva, prevenir a prática de mais crimes. Ao próprio perpetrador, que sabe que irá ser de novo punido se voltar a prevaricar; à comunidade em geral, através do exemplo deste. A actual legislação não tem, nem de perto nem de longe, qualquer efeito dissuasor.

É por isso urgente rever o Estatuto do Aluno e a Lei Tutelar Educativa, se quisermos ter um pouco mais de ordem nas nossas escolas – e antes que comecem a aparecer por lá as armas de fogo.

Por: António Ferreira

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