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Cansado de notícias ocas sobre um mundo cada vez mais oco, cansado de ser maltratado por quem, em boa verdade, dá razão ao velho adágio segundo o qual “não ofende quem quer, ofende quem pode”, decidi não entrar em pieguices ministeriais. É que bater no ceguinho também cansa… Por mais que o ceguinho se ponha a jeito… E este, o do “piegas”, põe…

Tomada a decisão, andei por aí a navegar na blogosfera. Num local li que, segundo um estudo a nível europeu, os professores portugueses são aqueles que maior percentagem de avaliações positivas recolhem junto de antigos alunos. E isso afagou-me o ego.

Depois, nos recantos do “Café Mondego”, descobri uma boa nova. Uma excelente nova por sinal: o meu caro professor António José Dias de Almeida acabava de ser diplomado pelo Café. Como o autor do dito blog assume, este é um diploma que, se não consta das parangonas dos media, prima pela genuinidade. E isso também me afagou o ego.

Espicaçado por esses apontamentos, dei comigo a matutar que, bem vistas as coisas, nunca, em letra de forma, me tinha dirigido a alguns Professores que, por variados motivos e nas mais diversas situações, me marcaram em diferentes fases da vida escolar. Professores de letra maiúscula que se tornaram referência ainda que umas décadas tenham já escorrido pela ampulheta insaciável do tempo. Fá-lo-ei aqui e agora. Está decidido. E vou fazê-lo tratando-os pelo nome por que eram conhecidos entre nós.

Comecemos por ordem cronológica:

Lá pelos idos da década de 60 do passado século, num 7 de outubro (lembram-se de as aulas começarem sempre num 7 de outubro?), bata alva de neve e anagrama gravado pela mãe a condizer, ar emproado de quem já se sentia alguém na meia dúzia de anos acabadinhos de fazer, lá ia pela primeira vez para a escola. De longe, das bandas da Guarda Gare, lá vinha a “senhora professora”. Um pontinho fugidio primeiro, um vulto cada vez maior depois. E nós, umas duas dúzias de catraios das quatro classes, perfilados de sacola às costas à sua espera.

Era a D. Mariazinha. Para mim continuará a ser sempre a D. Mariazinha. Nem preciso de mais. Chega-me assim para recordar o quanto me ensinou. Desde o “aeiou” até às complicações das contas e da geografia do império, dos reis e rainhas, e batalhas, e datas, até à gramática a saber na ponta da língua e mais ainda a tabuada… Mesmo que por vezes a poder da “menina dos cinco olhos”, quem passasse no caminho adjacente à escola dos Galegos, lá ouviria o coro afinado das vozes infantis num ritmo a rigor a desfiar contas de um rosário de aprendizagens. E deviam ver a cara com que fiquei, os centímetros que cresci, quando, acabadinho de fazer o exame da quarta classe, ouvi a D. Mariazinha dizer a meus pais: “Mandem o rapaz estudar que ele até tem queda para as letras”. Olhe, D. Mariazinha, deu no que deu…

Mais tarde, no oitavo ano feito na então Escola Industrial e Comercial da Guarda, coube-me em sorte o saudoso Professor Bernardo Duarte. O primeiro que me incentivou a escrever. O primeiro que me corrigiu defeitos, que me marcava uma composição por semana e me obrigava a escrever sobre os mais variados temas e nos mais diversos registos. Levou-me também a descobrir o gosto pela leitura. Um gosto que virou vício por obra e graça de um professor profissional, exigente, mas amigo.

Numa terceira fase, já na Escola Secundária Afonso de Albuquerque, encontrei o Professor Tó Zé. Esse mesmo que agora foi distinguido com o diploma do Café. E a literatura portuguesa passou a ser um duplo prazer para mim. Porque lia e lia muito mas, sobretudo pelas aulas e pela exploração que se fazia dos livros. Pela leitura nas entrelinhas, pela análise do contexto, pela exposição clara e pela discussão de ideias que eram apanágio das aulas do Professor Tó Zé. E assim, num repente, Eça, Garrett, Virgílio Ferreira, Pessoa e tantos outros passaram a fazer parte da vida de adolescentes com muitos outros motivos para viver que não o de passar horas a fio a ler… Mas esse milagre conseguiu-o o professor que, numa fase já mais adulta da minha vida, marcou profundamente e ajudou a definir a opção a seguir na faculdade. Só poderia ser o caminho das Humanidades… Com a sua intervenção, pois claro! A tal ponto que também eu hoje, quando cada vez é mais difícil levar os alunos a ler, me inspiro em alguns dos exemplos de que me recordo das suas aulas.

Estão aqui referenciados os três professores que, sem desprimor para os outros, mais me marcaram. A todos aqui fica uma singela mas sentida homenagem resumida numa palavra que é bem nossa e uma das mais bonitas da língua portuguesa: bem-haja.

Por: Norberto Gonçalves

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