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Mais despesa na Guarda

Editorial

O investimento público, quando estratégico e estrutural, é essencial para o desenvolvimento económico; a despesa pública, ainda que não seja estruturante, é importante quando relevante e contribua para o desenvolvimento social e cultural; a despesa sem critério e para a qual não se encontra justificação plausível ou de interesse público tem um cariz danoso e lesivo da coisa pública.

A Câmara da Guarda aprovou, por unanimidade a proposta apresentada pelo Teatro Municipal da Guarda para «concepção, produção, impressão e distribuição de agenda e boletim municipal». Inventou-se uma despesa de 200 mil euros (esclareçam-me se estiver errado). Do boletim… supostamente, e se bem se entende o que está inscrito na ata da reunião do executivo de 29 de agosto, será trimestral, e a primeira edição está prevista para o próximo trimestre, com um custo cabimentado de cerca de 26.700 euros. Apesar das dificuldades financeiras, evidentemente que faz todo o sentido que a autarquia tenha o seu boletim e nele inscreva informação diversa de interesse público – o que é extraordinário é que um número custe tanto dinheiro, coisa de gente rica. Muito rica, senhores. Para os quatro números previstos, a Câmara deverá pagar pelo seu Boletim 107 mil euros.

Em relação à “agenda”, pretende-se produzir mensalmente uma nova publicação com informação das atividades culturais organizadas no concelho (mantendo-se em simultâneo a que o TMG publica com um objeto mais estrito) e outras informações úteis, inclusive de atividades privadas, como bares e outros, imprimindo e distribuindo 15 mil exemplares, mensalmente, com um custo de cerca de 92 mil euros (75 mil euros mais IVA). Em tempo de crise, em que o Estado está na penúria, em que a autarquia está assoberbada de dívidas, fará sentido criar mais despesa? Será aceitável na era digital e das redes sociais criar uma publicação mensal em papel com elevados custos de produção e distribuição para fazer o que se pode fazer quase sem custos via Internet? Ou será que a Câmara da Guarda considera que os destinatários dessa informação não têm acesso à Internet? E são infoexcluídos? E fará sentido que num concelho com 16 mil famílias (de acordo com os últimos Censos) se produza uma revista com 15 mil exemplares para distribuir por todos os lares do concelho? Será relevante? Se é, porque não contratar a sua execução a empresas de comunicação do concelho, as que pagam os impostos que servem para financiar a despesa pública da autarquia e pagar os salários da Câmara? Ou, sendo advogado do diabo, porque não contratar essa divulgação, tão importante, aos jornais da cidade (que vivem constrangidos pelas dificuldades financeiras para que muito contribui a Câmara da Guarda que lhes deve milhares de euros se bem que, como por outras longitudes, quiçá prefiram que os jornais não sobrevivam para não haver vozes críticas)?

Ou, como alvitrou Rui Quinaz, vereador do PSD, o que se pretende é «uma vez mais gerar receitas artificiais ao TMG pagando mais»? A Câmara vai contratar à empresa municipal um serviço que não é indispensável e, pior, com custos muito superiores àqueles que poderia ter noutro fornecedor. A atividade do TMG é estratégica e estruturante, logo, a Câmara deve relevá-la dotando o TMG dos meios financeiros adequados e não recorrer a estes subterfúgios, habituais de resto, para aumentar as receitas da Culturguarda (a quem depois fica a dever) – habilidades contabilísticas inadmissíveis.

Estranhamente, os vereadores do PSD, que, na mesma reunião, lamentaram o estado das contas da autarquia, afirmando inclusive que a Câmara precisa de ser resgatada financeiramente, e depois de terem criticado a falta de informação, votaram favoravelmente mais esta despesa de propaganda.

Na Guarda cria-se mais despesa, em vez de se apoiar o desenvolvimento, as empresas locais ou a criação de emprego no concelho. E quando não houver dinheiro… aumentem-se os impostos, corte-se o subsídio de Natal ou aumente-se ainda mais a água (na Guarda já é mais cara do que em Lisboa)… Com papas e bolos se enganam os tolos… e o povo aplaude.

Luis Baptista-Martins

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