Num restaurante assisto às negociações entre mãe e filhos sobre menu & bebidas. Aviso que o relato que se segue pode conter cenas eventualmente chocantes para espíritos mais sensíveis, e imagino que uma conversa entre Sharon e Arafat, em comparação com isto, seria uma cálida tertúlia entre dois velhotes a contarem anedotas de judeus e árabes.
Dizia o garoto (na casa dos nove, dez anos), voz autoritária, bem projectada: Quero um hamburguer com batatas fritas!
– Não há, responde a mãe, já te disse que só há febras grelhadas.
– QUERO HAMBURGUER!! O berro, potente, paralisou o ruído de fundo do restaurante que, pouco a pouco foi ressuscitando.
– Não há, querido… insistia a mãe, um pouco corada por se sentir observada pelos comensais que começavam a interessar-se pelo espectáculo. Neste momento, entra a menina em cena (aparentemente mais nova que o irmão um ou dois anos): Quero um Ice Tea de manga!
– Aguinha para os dois, propõe a mãe.
– Não! EU QUERO ICE TEA!
– E eu Coca-Cola!
– Água. E não há mais conversa!
– Coca-cola, PORRA! Determinou o infante, encerrando o assunto com um magnífico murro na mesa. Alguns talheres, assustados, atiraram-se para o chão.
Nesta altura já todo o restaurante observava o circo, o drama da domadora, as feras enraivecidas.
Gritos dos miúdos, súplicas e ameaças em surdina da parte da mãe, vermelha como um tomate. Mais berros, mais talheres a cair ao chão, saltos na cadeira, ameaças de greve da fome pelos garotos, ameaças de ir embora pela mãe, mais berros, mais súplicas…
Finalmente, um acordo de paz: Hamburguer com batatas fritas, Ice Tea de manga para a menina, Coca-Cola para o menino.
O que é preocupante é que este relato não tem nem uma pinguinha de ficção. Pronto, está bem, a história dos talheres ficarem assustados é capaz de ser um bocado exagerada. Mas o resto é mesmo verdadeiro. Mesmo. A sério. Juro.
Será este o retrato-robot das gerações do futuro? Haverá escapatória a esta ditadura das criancinhas sobre os adultos? É que se forem contrariadas, coitadinhas, podem ficar traumatizadas, e depois no futuro, virão com certeza a sofrer graves disfunções sociais e, quiçá, sexuais. Pelo menos é o que consta. E nós não queremos ter esse peso na consciência, pois não?
Por: Jorge Bacelar