Arquivo

Lutar contra a corrupção

Editorial

1. O negócio da compra do “Bacalhau” pela Câmara da Guarda foi conhecido e explanado, em exclusivo e em primeira mão, pelo jornal O INTERIOR a 24 de março de 2011. Até então, e desde 2009, a Ensiguarda estava instalada naquele edifício por um estranho arrendamento em que a Câmara da Guarda pagava 2.500 euros, com um compromisso de compra feito às escondidas de todos, e cujo prazo ao findar permitia ao proprietário debitar à autarquia 12.500 euros por mês. Como se não bastasse este pequeno assalto ao erário público, a Câmara presidida por Joaquim Valente tinha-se comprometido a pagar todas as obras de adaptação, mais de 200 mil euros nos dois andares superiores. Depois, “adquiriu” o edifício por mais de milhão e meio de euros, e pagou mais 200 mil euros nas obras do rés-do-chão (na prática, fazia obras, sempre, em casa alheia). Ou seja, quando a Câmara comprou, com a aprovação do PS na Assembleia Municipal (março de 2012), a autarquia já ali tinha gasto meio milhão de euros. Mas como a autarquia não tinha dinheiro para pagar a aquisição, nunca chegou a pagar ao proprietário, entretanto falido, nem à massa insolvente da Gonçalves & Gonçalves. Álvaro Amaro chegou à autarquia, analisou o processo e, sem compreender por que motivo a Câmara da Guarda tinha de comprar instalações para empresar à Ensiguarda, de que é parceira, mandou anular o negócio. Entretanto, a Ensiguarda continua a funcionar em instalações que, supostamente, são propriedade da massa insolvente do proprietário e sem pagar renda a ninguém.

Recorde-se que Joaquim Valente integrava os órgãos sociais da Fundação Augusto Gil e que esta é a entidade responsável pela gestão e promoção daquela escola. E o dinheiro pago ao longo dos anos pela Câmara da Guarda em benefício da Ensigurada (mais de meio milhão de euros) foi um contínuo ato de malversação de dinheiros públicos que devia ser investigado pelo Ministério Público.

Curiosamente, os vereadores eleitos pelo PS, ainda mal refeitos da derrota que sofreram, e sem compreenderem que os guardenses se fartaram, precisamente, de negócios como o da Ensiguarda, despertaram do exílio em que vegetaram estes meses para defenderem o cumprimento do protocolo que atribui à autarquia a responsabilidade pelas instalações. Era preferível terem ficado calados. Num tempo em que há cada vez menos estudantes e tantas escolas públicas não se entende por que há-de ser a Câmara a custear as instalações de uma escola particular financiada por dinheiros comunitários.

2. Por coincidência, outro “negócio” pernicioso perpetrado pelo anterior executivo municipal com a Augusto Gil, e que irá acabar em Tribunal (prometem), diz respeito à cedência dos terrenos do Bairro da Fraternidade. A Câmara da Guarda, numa sessão em que Joaquim Valente se retirou por ser «parte interessada» (enquanto dirigente da IPSS Augusto Gil) deixando a Virgílio Bento a incumbência de defender a entrega a essa associação de “beneficência” dos terrenos por umas dezenas de anos, gratuitamente (para ali construírem mais uns equipamentos sociais, financiados por dinheiros públicos). A cedência só não foi concretizada pela inabilidade do anterior executivo, nomeadamente porque havia “artigos” registados em nome de alguns dos residentes daquele bairro. O processo deverá agora conhecer novo rumo, que deverá passar pela anulação daquela inqualificável e vil negociata.

3. O relatório anticorrupção da União Europeia apresentado há dias coloca Portugal entre os países onde a perceção de corrupção é mais elevada. Para 90% dos portugueses, as políticas de compadrio e clientelismo, as cunhas, as negociatas com bens ou dinheiro público entre pessoas com interesses comuns acontecem de forma contínua. A falta de capacidade ou meios para que o Ministério Público, tribunais e autoridades coercivas possam concretizar investigações de casos de corrupção contribuem para que sejamos um país onde a corrupção se passeia pelos corredores do poder. Casos como os que atrás se referem, contribuem para que os portugueses tenham a perceção de que o compadrio e o amiguismo (duas formas de corrupção) fazem parte do modus operandi nacional.

Luis Baptista-Martins

Sobre o autor

Leave a Reply