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Ligações perigosas que dão milhões

Crónica Política

É raro o dia em que não surja mais uma polémica acerca da interpretação das leis. Portugal é dos países do mundo onde é produzida mais legislação. Mas é também o país onde, simultaneamente, a legislação produzida é mais difícil de interpretar e, sobretudo, de aplicar. E isto não acontece por acaso.

Ao contrário do que seria normal numa democracia plena, a maioria da legislação portuguesa não é produzida no Parlamento ou pelo Governo. Vê a luz do dia em certos consultórios de advogados, que estão hoje para o funcionamento do Estado como morcegos numa caverna: pendurados!

Enquanto a maioria dos advogados deste país labuta diariamente por uma carreira digna e trabalhosa, há uma elite que, a par de certos economistas e banqueiros, decide levianamente, na prática, os destinos de todos nós. É que os políticos nem sequer entram neste filme. Ou se entram, fazem-no apenas na qualidade de figurantes.

Muitos destes advogados são figuras de topo dos partidos do arco do poder. Possuem ligações, presentes ou passadas, ao Parlamento, ao Governo e a executivos municipais. Das ligações aos grandes grupos económicos, a quem sustentam na sombra a dominação sobre o poder político, é melhor nem sequer falarmos. Muitos deles têm sido nomeados para o sector público administrativo e para o sector empresarial do Estado, sempre com “espírito de missão”. Alguns deles têm, na condição de conferencistas e de fazedores de opinião, grande e nefasta influência sobre a opinião pública.

São estes advogados, ou formalmente apenas os seus associados, que recebem, por encomenda, a elaboração de legislação e a preparação de concursos públicos normalmente associados a grandes negócios e a grandes despesas onde o Estado sai quase sempre a perder.

São também eles que, tendo ajudado a fabricar leis com buracos, esquinas e alçapões, ganham posteriormente milhões à custa da elaboração de pareceres sobre a aplicação da obtusa e muito ambígua legislação que ajudaram a criar. E assim encerram, da forma mais perversa que se possa imaginar, um círculo vicioso que eles próprios criaram intencionalmente.

Já aqui falámos, em tempos, da limitação de mandatos dos presidentes de Câmara e Juntas de Freguesia. Na altura demos o título de “A Golpada” ao artigo de opinião. Hoje, porque lamentavelmente aconteceu o que então prevíamos, voltamos ao assunto, mas por outro ângulo.

É que poderíamos também pensar em limitar o número de pareceres concedido a cada um destes celebérrimos escritórios de advogados. Mas temo que o sucesso da medida viesse a ser idêntico ao da discutidíssima e aparentemente fracassada limitação de mandatos nas autarquias. Assistiríamos a um corrupio de alterações nas denominações formais desses escritórios ou a rearranjos na constituição das respetivas sociedades titulares. Ou, se necessário fosse, à substituição a gosto das autorias dos ditos pareceres.

Há por aí escritórios de advogados, com ligações ao poder, a faturarem 7,5 milhões de euros… para explicarem a lei!

Uma registadora certificada, com a chancela do Governo.

Quantos milhões não são pagos a esses escritórios que dariam para reduzir o colossal corte dos 4 mil milhões?

Mas mais corrupto ainda é que estes escritórios intervêm de forma inconstitucional no processo legislativo, executivo e judicial, o que viola a lei da separação dos poderes, o que requer intervenção do Presidente da República.

Mas não se pense que a moda dos pareceres aos escritórios de advogados é de agora.

Nada disso!!

Já é careca e com barbas.

Por: Jorge Noutel

* Deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia Municipal da Guarda

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