São cada vez menos os activos a pagar as contas deste país. Cada um tem a seu cargo pelo menos outra pessoa e cada vez lhe custa mais pagar as contas de ambos. Ainda por cima, é cada vez menos certo o emprego e, perdido este, sendo só um a pagar de imediato, sofrerão os dois, mais tarde ou mais cedo. É claro que as coisas não são assim tão simples, não é como se cada um de nós, cidadão contribuinte do sector privado, tivesse atrelado um pensionista, ou um funcionário público, ou um desempregado. A coisa, felizmente, é mais impessoal: como contribuintes sabemos que pagamos para uma generalidade indeterminada de beneficiários e estes entendem receber de uma entidade ainda mais abstracta – o Estado.
A coisa complica-se quando se fala em desempregados, que neste momento são quase onze por cento da população activa. Os interesses destes e dos empregados são apenas aparentemente coincidentes: ambos querem trabalhar, ou mantendo o emprego que têm, ou conseguindo um. O problema é que aquela percentagem de desempregados significa, antes de mais nada, que há mais candidatos a trabalhar do que postos de trabalho disponíveis. Sei bem que há muitas discussões possíveis aqui, e que algumas delas podem concluir pela inviabilidade desta forma que temos de gerir a sociedade. Outras, mais terra-a-terra, talvez mais cínicas, dirão que as possíveis soluções para o problema do desemprego implicam a opção por um dos principais interesses em jogo: o dos empregados ou o dos desempregados. Há outras linhas de discussão, com muitas questões pertinentes, como esta: porque terei de ficar com este funcionário improdutivo se tenho, como candidato ao lugar dele, outro muito mais eficiente? Há outras, mais perigosas, como esta: porque tenho de pagar mil euros a este funcionário se aquele, desempregado, aceita fazer o mesmo, ou melhor, por metade? A verdade é que qualquer desempregado, não havendo pleno emprego, anseia pelo posto de trabalho de outrem e por isso os interesses de ambos são conflituantes.
Sendo assim infelizmente as coisas, outra é querer acabar com o conceito de justa causa. Ficar desempregado, quando a taxa de desemprego é superior a dez por cento e fecham empresas todos os dias, é coisa muito séria. Despedir alguém significa muitas vezes mandar essa pessoa para a miséria. Por isso, por detrás de qualquer despedimento tem de haver uma razão de justiça – não se despede por capricho, porque se poupam uns trocos ou porque se ganha alguma coisa na produtividade. É preciso que não seja exigível outra atitude à entidade patronal, que se possa imputar a culpa da cessação do contrato ao trabalhador, que este, por exemplo, podendo fazer melhor, insista na ronha, na falta de qualidade, nos atrasos, no desinteresse pelo trabalho e pelo futuro da empresa que lhe garante o sustento.
Tudo isto é evidente e facilmente apreensível por qualquer pessoa de formação média. Não é preciso ser-se candidato a primeiro-ministro de Portugal (mesmo que isto fosse garantia de qualidade) para se perceber que acabar com a actual exigência de justiça na causa dos despedimentos é abrir a porta a todos, por mais injustos e arbitrários que sejam.
PS: Acabo de ver na televisão um candidato num concurso de cultura geral (que por isso deveria ter uma cultura superior à média) declarar que não sabe se Paul Cézanne foi ou não pintor. Há muita gente a assistir ao concurso, mas não a participar, que responderia correctamente.
Por: António Ferreira