Há muito que se fala na falta de profissionais nos hospitais da região, muitas vezes porque não há autorização por parte do Ministério da Saúde para contratar. No entanto, mesmo quando os hospitais abrem concurso não há quem queira vir para o interior. Das 16 vagas que a Unidade Local de Saúde (ULS) da Guarda abriu para o concurso de admissão de especialistas apenas quatro foram preenchidas (Saúde Pública, Medicina Interna, Pediatria e Psiquiatria – as duas últimas ainda aguardam confirmação). Também no Centro Hospitalar Cova da Beira (CHCB) o cenário não foi melhor. Abriu 23 vagas para médicos e 18 ficaram por preencher. Os cinco novos médicos são das especialidades de Medicina Interna, Neurologia, Cirurgia Geral e duas em Psiquiatria.
Os números não satisfazem as duas instituições e o presidente do Conselho de Administração da ULS da Guarda já lamentou que a região seja «pouco atrativa relativamente ao litoral, onde estão os grandes centros, há mais gente, estão mais desenvolvidos e com mais oportunidade». Carlos Rodrigues acredita que, por vezes, há falta de informação relativamente ao interior, onde «se vive melhor e com grande qualidade», refere. Estas têm sido, aliás, «duas bandeiras» da ULS para «seduzir» mais profissionais, juntamente com o facto de aqui os jovens clínicos encontrarem «um hospital novo, onde valorizamos a formação e o desenvolvimento. Quando um jovem aqui chega sobressai e tem oportunidade de desenvolver a carreira mais livremente», acrescenta o responsável.
Embora a falta de seja «preocupante», Carlos Rodrigues lembra que «já houve mais dificuldades e, paulatinamente, vamos compondo». Desde abril deste ano, além dos quatro médicos que agora deverão vir, a ULS contratou mais cinco especialistas através de concurso público e «sempre que possível» por contratação direta. «As áreas de Ortopedia, Cardiologia e Oftalmologia são onde temos mais carências», lamenta o presidente do CA, que lembra que os protocolos com Centro Hospitalar Universitário de Coimbra ajudam a colmatar essas falhas.
Para o presidente do Conselho de Administração do CHCB o número de vagas preenchido ficou «muito aquém das expectativas e reais necessidades» da instituição, o que é revelador de «um desconhecimento grande em relação às nossas unidades de saúde e à qualidade do trabalho aqui desenvolvido», sublinha. «Também muitas vezes a dificuldade em vencer a inércia e mudar de residência com a família toda após uma formação muito longa (em média 12 anos desde que se inicia o curso)» são, para João Casteleiro, fatores que levam os jovens médicos a colocar de parte a hipótese de exerceram nos hospitais do interior. O responsável, num comunicado enviado as redações, sugere uma «discriminação positiva em relação ao interior» e que se aposte em condições para que os hospitais da região possam formar grande parte dos seus profissionais, o que será «possível em diálogo com o Ministério da Saúde, as ordens profissionais (colégios das especialidades) e as unidades de saúde», sustenta.
João Casteleiro lamenta, no entanto, que se verifique «o contrário», afirmando que os médicos na região «fazem maior número de horas de trabalho e ganham proporcionalmente menos».
Colocação de médicos «aquém das necessidades»
O presidente da Administração Regional de Saúde do Centro (ARSC), José Tereso, reconhece que colocação de médicos da área hospitalar «continua a ficar aquém das necessidades», sendo Castelo Branco, Covilhã e Guarda os casos de maior destaque.
Um realidade que José Tereso considera não ser nova e que tem vindo a exigir «diversas medidas incentivadoras à fixação de médicos no interior», entre elas a celebração de protocolos entre o CHUC e todos os hospitais da região Centro, o que representa o reforço das equipas e cooperação para colmatar a falta de especialistas. Também na Unidade Local de Saúde de Castelo Branco (ULSCB), das 22 vagas colocadas a concurso, apenas três foram preenchidas.
«É necessária uma mudança na legislação»
João Correia, médico especialista em Medicina Interna na Guarda, diz que há vários fatores que impedem a captação de jovens médicos para o interior. Em primeiro lugar aponta o número de vagas que «são superiores ao número de candidatos, pelo que é de esperar que fiquem por preencher» e acrescenta que «não é apetecível a alguém com mais de 30 anos vir para o interior», tendo em conta que na sua maioria se foram nos grandes centros, onde «a capacidade de arranjar trabalho é maior». É o caso das especialidades de Cardiologia, Neurologia e Oftalmologia, com dificuldades na Guarda e com grande procura não só no público, como também no setor privado.
A opção por clínicas privadas é, aliás, apontada como um problema por João Correia, que lembra que «não há uma regra que obrigue os médicos a ficarem no Serviço Nacional de Saúde depois de se formarem», lamentando ainda que «o Estado pague e mais tarde os recém-formados vão embora sem respeitar quem os formou». Na sua opinião, será por isso necessária «uma mudança na legislação». A ausência de médicos candidatos à ULS da Guarda leva a que «haja problemas fundamentais que continuem por resolver», avisa João Correis. Embora a área de Medicina Geral e Familiar respeite «mais ou menos» o rácio de médico por habitante, à exceção de Figueira de Castelo Rodrigo onde «continua a ser extremamente difícil», há outras «especialidades hospitalares onde continua a existir muitas dificuldades».
Hospitais do interior «têm mais oportunidades»
Se há quem fuja da região, também há quem venha e fique «muito satisfeita», como é o caso de Cátia Zeferino. Há cinco anos que era médica interna na ULS da Guarda, e após terminar a especialidade candidatou-se ao concurso nacional para recém-especialista e não lhe restaram dúvidas que era no Hospital Sousa Martins que queria ficar.
Tem família no distrito da Guarda, mas há muitos anos que estava fora, tendo-se formado em Coimbra. Durante o período de estágios passou por vários hospitais e quando escolheu a Guarda «não conhecia, mas não me arrependo». A clínica considera que aqui tem mais oportunidade na sua especialidade, Medicina Interna, pois «existem menos áreas e cada médico tem oportunidade de explorar mais e a variedade também é maior», refere.
Para a jovem médica o facto do interior se tornar pouco atrativo passa pela «dificuldade em deslocar uma família». Cátia Zeferino explica que o período de formação, que pode ir até aos 10 anos, «é um pouco nómada», pelo que é natural que «quando um médico escolhe no período de internato está a pensar permanecer». A clínica considera mesmo que facilitaria se existissem «mais incentivos para mobilizar as famílias, e não tinham que ser monetários. Bastava, por exemplo, facilitar o processo de procura de emprego do conjunge». A carga horária «superior à dos hospitais centrais» também pode ser um dos fatores que afasta os recém-formados da região, acrescenta.
Ana Eugénia Inácio