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Jane Eyre by Joan Fontaine

Opinião – Ovo de Colombo

Joan Fontaine, a irmã de aparência frágil e sofisticada de Olivia de Havilland, é-me completamente importante não estivessem dois dos seus filmes mais emblemáticos, “Rebecca” (1940) e “Suspicion” (1941), presentes no meu top 15 de películas prediletas, além de que a relação tortuosa entre as duas atrizes resulta-me incomensuravelmente intrigante.

Tendo lido, faz pouco, a obra-prima de Charlotte Brontë, “Jane Eyre” (1847), e uma vez que Joan faria, em outubro de 2017, 100 anos de vida, considerei apropriado escrever sobre a adaptação cinematográfica do romance vitoriano (Jane Eyre, de 1943), realizada por Robert Stevenson, e protagonizado por aquela e por Orson Welles. Muito antes de ler tinha visto o filme sem que este me seduzisse particularmente. E creio que muito menos me cativaria se a leitura tivesse antecedido o visionamento da película. É um cliché, mas o livro é bem melhor. Narrado na primeira pessoa, como se de uma autobiografia se tratasse, coisa, penso eu, pouco usual para a época, este “bildungsroman” dá-nos a conhecer as peripécias e crescimento de uma jovem de pouca beleza mas imenso caráter. Personagem extremamente rica, Jane é dotada de uma insubmissão e independência que lhe conferem um espírito singular para a sua época.

Ora, no filme, embora a personagem esteja corretamente desenvolvida e demonstre essas virtudes por meio de uma história poderosa e bem contada (onde a crítica social, com destaque para a hipocrisia da religião e o erotismo estão devidamente presentes), quem lhe dá vida é a irmã loira de Olivia, a atriz que interpretou constantemente a heroína romântica e frágil. Quem estiver familiarizado com a sua imagem estelar vai ter alguma dificuldade em assumir a sua Jane Eyre como uma jovem emancipada. Não que a atriz faça um mau trabalho, mas o calcanhar de Aquiles é mesmo a aura de fragilidade que paira sobre ela, aliada ao seu rosto demasiado doce e de aparência benevolente. Já Welles, no papel do excêntrico Mr. Rochester, resulta fascinante ao parecer estar a encarnar-se a ele próprio, dado a sua imagem pública assemelhar-se grandemente à da personagem (os dois atores demonstram uma boa química, dando origem a bonitas cenas de erotismo resguardado). Interpretações fabulosas provêm dos restantes atores com destaque para uma pequena e não creditada Elizabeth Taylor!

Outros aspetos positivos são umas belíssimas e tenebrosas fotografia e banda sonora, aliadas a diálogos inspiradores, ainda que, por vezes, demasiado “literários”. Como contraponto, temos que nos deparar com a frequente inexistência de alguns episódios presentes no romance e com um ritmo algo vagaroso em certos momentos. Estas debilidades notam-se muito mais após a primeira parte do filme (infância de Jane), que é, sem dúvida, a melhor. A partir do momento em que Jane conhece Mr. Rochester deparamo-nos apenas com um decente drama gótico (por falar nisso, devo dizer também, em tom de desconsolo, que tanto o filme como o livro têm bastante menos de tenebroso do que aquilo que eu ansiava).

Em suma, “Jane Eyre” é um filme tecnicamente excecional e, num sentido amplo, bastante bem conseguido. Falta-lhe, todavia, alguma magia e envolvência cuja ausência faz sentir-se ainda mais quando comparado com a obra escrita.

Miguel Moreira

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