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«Já só estou aqui para fazer número»

Comerciantes do centro histórico da Guarda continuam a queixar-se da falta de estacionamento

Em pleno centro histórico da Guarda, a velhinha Papelaria Fernando continua a resistir à passagem amarga do tempo. Ao balcão há 48 anos, Fernando Godinho garante que, de dia para dia, são cada vez menos os clientes que atravessam a sua porta. «Eu já só estou aqui para fazer número, porque já não temos outra vida», confessa.

O estado do comércio no coração da cidade há muito que esmorece. Velhas casas abandonadas, prédios a largar estuque, lojas de cadeado na porta. A pé, pouca gente se vê. Quem ainda “sobrevive” aqui deposita culpas na falta de estacionamento, na crise ou nas grandes superfícies que se multiplicam um pouco por toda a cidade. O proprietário da Papelaria não é exceção. «Eu vendo cadernos iguais aos que se encontram no supermercado e até os vendo mais baratos, mas as pessoas preferem ir lá, porque encontram de tudo e aproveitam para fazer compras num só lugar», lamenta. Da sua porta, consegue assistir à “morte” dos outros, dos estabelecimentos que acabam por não resistir à crueldade de uma concorrência cada vez mais feroz. «Aquela loja de bordados mesmo em frente fechou e tantos outros tomaram o mesmo caminho. Já se estava a ver que ia acontecer, houve uma altura em que abriram coisas a mais e isto agora não chega para todos», relembra.

Já em plena Praça Velha, o cenário pouco se altera. O mesmo abandono, os mesmos “culpados”. «O que levou muitas casas a fechar foi a concorrência de grandes superfícies e sobretudo o estacionamento. Ou melhor: a falta dele», garante Eunice Santos, proprietária de uma tabacaria. Nas promessas da Câmara para solucionar o problema já não confia. «Não acredito que a autarquia cumpra as promessas de fazer mais lugares de estacionamento. Prometeram um parque subterrâneo perto da Escola de Santa Clara e nunca o fizeram», recorda. Além disso, entende que não há sequer «uma boa sinalização» para se chegar ao centro histórico. Basta subir um pouco e na loja Electro-Santiago, encontramos opinião semelhante. Alberto Gonçalves já conhece a praça há muitos anos e garante que «há turistas que vêm à cidade para ver a Sé e às vezes não a encontram». A ver clientes passar há tanto tempo, chega à mesma conclusão que a sua colega: «As pessoas preferem as grandes superfícies, lá têm onde estacionar, não precisam sequer de andar à chuva e fazem tudo lá», assume. Outro dos problemas que refere tem a ver com o facto da maioria dos serviços se ter deslocalizado para outros pontos da cidade. «Havia aqui bancos que fecharam e abriram noutros sítios, quando retiraram o estacionamento na praça, e isso também teve influência no número de pessoas que por aqui passam», explica ainda. O vice-presidente da Associação Comercial da Guarda chega à mesma conclusão. «Seria importante apostar em investimentos âncora na zona histórica da cidade, nomeadamente com a instalação de serviços, porque isso traz sempre mais gente», considera Vítor Nunes. Além de um esforço da autarquia para colmatar falhas ao nível do estacionamento, o responsável não deixa de admitir que deve existir também um esforço por parte dos comerciantes na «dinamização dos espaços». «É necessário trabalharem em equipa, pensarem em estratégias conjuntas, nomeadamente na área da animação do centro histórico», aconselha.

Catarina Pinto Vários estabelecimentos têm fechado ao longo dos anos

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