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«Já recuperámos o eleitorado perdido em 2001»

Joaquim Valente, candidato do PS à Câmara da Guarda

P – Há quatro anos o PSD ficou a pouco mais de mil votos de ganhar a Câmara da Guarda. Foi um incidente de percurso ou o sinal de uma viragem eleitoral?

R – Na altura houve uma conjuntura que contribuiu para que isso acontecesse, mas a Guarda passou ao lado do vendaval nacional. Aqui, o PS venceu as eleições autárquicas.

P – Não houve motivos locais para esse aumento da votação PSD?

R – Penso que não. Há quatro anos o PSD conseguiu mobilizar algumas franjas social-democratas que tradicionalmente votavam no PS. Mas o PS fez um mandato sereno, que marcou a Guarda em termos de planeamento urbano e de ordenamento do território. Lançaram-se grandes obras, fizeram-se grandes investimentos e remodelou-se a rede viária municipal. Foi um trabalho meritório do executivo de então.

P – A sua candidatura quer recuperar esse eleitorado perdido em 2001?

R – Acho que já está ganho. Andamos na rua há quatro meses, temos ouvido a opinião dos guardenses e noto que se revêem nas nossas propostas. No fundo, o nosso programa também foi ajudado a fazer por esses empresários, cidadãos e entidades que ouvimos. Estou convencido que essa franja e até outras pessoas de outros partidos se revêem na nossa candidatura.

P – Também acha que é necessária uma auditoria às contas da autarquia?

R – Não há necessidade disso, o que quero é que a estrutura camarária e administrativa tenha apoio na área da consultoria por forma a identificar alguns constrangimentos a nível funcional e prestar um serviço de qualidade ao cidadão.

P – Também disse que é preciso modernizar os serviços prestados pela Câmara através, nomeadamente, das novas tecnologias. Isso quer dizer que há funcionários a mais na autarquia e que é preciso dispensar alguns?

R – O que é preciso é identificar as grandes linhas de acção e depois dimensionar as pessoas necessárias para que operem com eficácia dentro dos circuitos administrativos.

P – Acha portanto que há gente a mais para o resultado final?

R – Não quero fazer futurologia, mas definir um modelo de indicadores de gestão para encurtar percursos e dar respostas às necessidades no mais curto espaço de tempo.

P – Caso ganhe as eleições, as empresas municipais vão continuar como estão?

R – Vou manter as actuais e criar mais uma. Trata-se de uma Sociedade de Reabilitação Urbana para intervir de forma ágil, evitando alguns procedimentos morosos, na requalificação de toda a zona histórica, mas também para ser a gestora dos planos de pormenor necessários e requalificar algumas bolsas que devem ser integradas na malha urbana da Guarda. É uma empresa municipal que pode, e deve, funcionar com capitais públicos e privados, mas que conte também com grupos financeiros no seu capital social para que disponibilizem os meios necessários à actividade e rentabilidade da empresa.

P – A ideia é recuperar habitação para pôr no mercado?

R – Sim, mas também melhorar as infraestruturas públicas e gerir os planos de pormenor. Há dois planos importantíssimos para a Guarda, o da Alameda da Ti’Jaquina e do parque de S. Francisco, atrás dos terrenos do antigo quartel. Em ambos é necessário constituir uma sociedade por quotas para que cada proprietário receba a contrapartida em função da área que tem na área total de actuação do plano. São zonas que precisam de um tratamento urgente, mas toda a malha urbana da Guarda tem que ser reavaliada e tratada com bastante cuidado para aglutinar algumas bolsas que foram crescendo.

P – Acha que tem havido na Guarda um urbanismo selvagem?

R – Prefiro chamar-lhe um urbanismo que se fez sem haver instrumentos de planeamento e ordenamento. A Guarda foi uma cidade que cresceu rápido e também em número de habitantes, o que foi determinante para congestionar as infraestruturas existentes. Por outro lado, por falta de planeamento e de ordenamento, não se constituíram instrumentos eficazes na gestão equilibrada desse crescimento…

P – Mas não cabia à autarquia estar atenta a esse crescimento e criar esses para evitar a proliferação de urbanizações?

R – Claro que compete à autarquia ter esses instrumentos de planeamento, a Guarda, por exemplo, foi das primeiras cidades portuguesas a ter PDM em 1994. Contudo, o grande crescimento da cidade em termos de construção fez-se a seguir ao 25 de Abril e na altura só havia estudos locais e de pormenor. Foi também o período do regresso de muita gente das ex-colónias e houve um fenómeno de grande investimento na construção civil por parte de imigrantes, que contribuíram para que tivesse existido um mercado com bastante vitalidade económica, mas sem uma base de planeamento.

P – Não acha então que a cidade é dominada pelos empreiteiros?

R – De maneira nenhuma. Os mercados funcionam em função da oferta e da procura e a verdade é que havia bastante procura de habitação nessa altura, portanto acho que houve uma dinâmica normal do mercado.

P – Contudo, a Câmara não cumpriu o seu papel de regulador ao longo destes anos?

R – Independentemente da falta de instrumentos de planeamento, isto foi sendo gerido pelos técnicos e não é fácil para nenhum departamento técnico gerir a construção e o desenvolvimento urbano sem ter esses planos. Corre-se sempre o risco de decidir e, por vezes, de ser criticado e injustiçado porque tiveram que o fazer e não tinham que parar um mercado dinâmico. Só quem não decide é que nunca erra.

P – Mas esse mercado continua aparentemente a funcionar de uma forma desregulada?

R – Não concordo com isso. É verdade que, na falta de instrumentos de planeamento gerais, é a iniciativa privada que propõe à Câmara contratos de urbanização – um loteamento. A esta compete aprovar ou não em função das regras e legislação existentes. E olhe que não é fácil contornar as leis específicas da construção, mas não é fácil tecnicamente nenhum departamento técnico controlar de facto o mercado que conheceu aqui um autêntico “boom”.

P – Mas é bom ou mau para uma cidade ter como motor da sua economia apenas os empreiteiros e a construção civil?

R – É bom ter vitalidade económica, a construção civil foi uma actividade que desenvolveu e gerou riqueza na Guarda. Agora, não deve ser a actividade principal, tem que haver um tecido económico produtivo como base da sustentabilidade da Guarda. Mas a construção civil é um sector de actividade importantíssimo.

P – Como vai funcionar o Conselho Municipal para o Desenvolvimento, Investimento e Qualificação de Recursos, uma das suas propostas?

R – Esse gabinete surge na sequência de algumas lacunas que se têm verificado na Guarda, que nunca falou a uma só voz em torno do que é importante para a cidade. Mas pior do que isso, é o facto de haver pessoas que, quando têm poder, não o querem ou não sabem assumi-lo potenciando a sua própria cidade. O que pretendemos com este conselho municipal é ter nos diversos sectores da cidade pessoas que, vivendo ou não na Guarda, são importantes elementos de ligação a centros de decisão, grupos financeiros e próximos da administração pública por forma a que se canalize uma série de sinergias para que a Guarda tenha uma viragem em termos de investimento.

P – O que interessa então à Guarda?R – Qualquer cidade tem que estar atenta aos programas dos Governos. O actual aposta num tipo de indústria virada para as novas tecnologias, para o emprego qualificado e para a exportação, então temos que apostar também na captação de indústrias que se enquadrem nessa matriz. Mas temos que nos concentrar nas potencialidades da Guarda e ir ao encontro da zona Centro do país, desde o Porto e Aveiro, até Castilha e Leão. A Guarda tem neste momento infraestruturas e acessibilidades de elevado nível e vamos apostar neste território para desenvolver a ideia genérica de um eco-sistema de crescimento. É importante que a cidade, dada a sua centralidade ibérica, possa definir empresas e sectores em que deve apostar para criar riqueza.

P – Isso quer dizer que a Guarda vai pôr-se em “bicos de pés” para captar investidores portugueses e estrangeiros?

R – Temos que fazer uma diplomacia de excelência para que os investimentos se façam aqui na região.

P – Consigo na Câmara, os investidores vão ter o apoio que se queixam não ter tido até agora? O que poderá oferecer aos empresários?

R – A Câmara da Guarda tem que estar com todos os empresários, ser quase parceiro estratégico, acompanhá-los, abrir-lhes as portas e disponibilizar-lhes meios para que confiem nesta terra e para que os investimentos sejam de sucesso. Esses apoios podem ser, desde logo, facilidades na agilização dos processos, mas também um acompanhamento nos centros de decisão e um papel de “lobby” junto de quem decide.

P – Que investimento é esse que anunciou para a Quinta da Maúnça?

R – Aquela zona é o parque ecológico por natureza da cidade, pelo que reúne condições ímpares para acolher uma unidade para turismo sénior, prestando assistência médica, social e de bem-estar de excelência a um público-alvo com recursos. Esses serviços não são prestados porque não existem oportunidades e nós queremos ajudar a que uma unidade dessas seja implementada na Guarda.

P – Que outros investimentos guarda na “manga”?

R – A nossa candidatura tem feito bastantes contactos diplomáticos nesse campo, mas que não gostaria de revelar neste momento. São conversas que nos dão algum optimismo quanto ao futuro.

P – O facto de João Almeida Santos e Joaquim Valente serem amigos pessoais de José Sócrates dá a ideia que a Guarda vai ter tudo o que pedir. Será mesmo assim?

R – Não. Costuma-se dizer que os amigos são para as ocasiões e é natural que, se as circunstâncias o exigirem, teremos que saber exercer pressão junto dos poderes decisórios. Se podemos ter essa oportunidade, porque não fazê-lo?

P – Mas acredita que esse relacionamento vai garantir alguma coisa para a Guarda?

R – A Guarda vai fazer-se também com a nossa imaginação, capacidade de trabalho e de sensibilizar o empreendedorismo dos agentes económicos. Fundamentalmente é isto, agora temos um primeiro-ministro que é um homem do interior e que também sentiu na pele os constrangimentos da excessiva centralidade administrativa e política do sistema no litoral. Está na altura de devolver ao interior aquilo que lhe foi negado durante muitos anos.

P – “Palavra de honra” é o título do seu programa eleitoral. O que conta fazer para não defraudar os eleitores?

R – Vamos trabalhar com honestidade, cumprindo um projecto com objectivos perfeitamente definidos. Temos que criar os mecanismos e a atitude para que essas linhas mestras sejam atingidas, sem passar por cima de ninguém.

P – Quais as iniciativas do seu programa que acha essenciais e conta aplicar o mais rapidamente possível se for eleito?

R – Há três projectos essenciais para a Guarda: consolidar a PLIE, acabar as acessibilidades e apostar rapidamente na “Estrada Verde” para tirar maior partido do turismo. Era importante que estas obras se concretizassem no próximo mandato, para além da requalificação do Parque da Saúde com um hospital novo, requalificando os edifícios existentes e criando novos em função do Plano Director e das necessidades da região em termos de cuidados de saúde.

P – A Guarda fica bem servida com um hospital requalificado?

R – Ser ou não novo não é importante para o caso, o que interessa é que o hospital ofereça serviços de qualidade e que se integre naquele Parque da Saúde. Mas, determinantemente, o que importa é aproveitar aquilo que se pode e edificar de novo o que for necessário para garantir essa qualidade.

P – O que espera da Plataforma Logística?

R – Espero que seja o projecto âncora de sustentabilidade económica para a cidade.

P – O que acha da situação da Delphi?

R – Poderá ser problemática daqui a quatro ou cinco anos. Esperemos que a Delphi continue a apostar na fábrica da Guarda, porque é das unidades com maior índice de produção do grupo em todo o mundo. Estou convencido que, assim sendo, a Delphi continuará a apostar na mão de obra e nos serviços de qualidade que tem na cidade, mau grado este ser um sector muito sensível às variações do mercado. No entanto, se algo de mau acontecer, é importante que a Guarda esteja prevenida e crie outras alternativas. Nós vamos estar atentos.

P – O que pensa do TMG?

R – Eu concordo com o modelo de gestão da CulturGuarda. Temos que ser pragmáticos: a Guarda precisava de um equipamento com esta qualidade. A empresa municipal é recente e o importante é avaliar os indicadores, com discernimento e frieza, ao fim de algum tempo de actividade. Se o modelo de gestão resulta, continua-se, caso contrário corrige-se. Neste momento, sem haver indicadores fiáveis, não vale a pena fazer prognósticos.

P – Há quem lhe chame a obra «do regime»?

R – Há mais obras do regime, pois nos últimos anos fizeram-se equipamentos de qualidade na cidade. No entanto, na área da cultura, o TMG é de facto a grande obra da Guarda.

P – Em consequência dessa aposta nos equipamentos culturais, a autarquia tem menos recursos financeiros para outras iniciativas. Também vai continuar a apostar na cultura?

R – Devemos dar sequência a todo este trabalho, que é importante, mas não podemos esquecer que também é necessário criar condições para que todos nós possamos ter ofertas culturais de qualidade. Para isso, é preciso gerar riqueza e que existam mercados e actividades económicas que dêem sustentabilidade a todas estas actividades.

P – Como vê a relação da cidade com o IPG?

R – O IPG é uma das maiores indústrias da cidade e gera bastante riqueza. No entanto, penso que deve haver uma maior aproximação entre quem gere o Politécnico e os gestores municipais. Por exemplo, acho que o Instituto deve fazer parte daquele Conselho Municipal de que falámos atrás, porque só assim poderemos ter uma estratégia conjunta e não sermos surpreendidos com certas decisões.

P – Como será a Guarda daqui a quatro anos?

R – Acho que vai ser uma cidade mais consolidada, mais sustentável e também mais atractiva.

P – O que vai mudar se ganhar?

R – Quero contribuir para a mudança com uma postura optimista e de orgulho relativamente à Guarda. Mas é importante que essa atitude seja geral, o que não tem acontecido até aqui.

P – O que destaca de negativo no último mandato da autarquia?

R – Foi a falta de apoio financeiro às Juntas de Freguesia, mas isso foi consequência de uma política de determinada administração central que secou o investimento no nosso concelho obrigando a autarquia a assumir o papel do Estado. O que desguarneceu a tesouraria para apoiar as Juntas. Mas os autarcas compreenderam a situação, muitos deles continuam a ser nossos candidatos, e tenho a certeza de que melhores dias virão.

P – Que garantias deu aos presidentes de Junta de que essa situação não vai voltar a acontecer?

R – Temos que ter a tal magistratura de influência e alguma imaginação para que algumas das grandes obras necessárias na cidade tenham uma maior comparticipação pública e privada, por forma a racionalizar as receitas próprias da autarquia e canalizá-las para as freguesias.

P – E o que realça de positivo?

R – Foi a continuidade dos grandes equipamentos, como a biblioteca ou o Teatro Municipal da Guarda, que honram a cidade e que nos orgulham enquanto cidadãos. Foram investimentos de monta para a capacidade da autarquia.

P – Tem sido alvo de várias acusações devido ao Polis e à sua actividade profissional. Quer comentar?

R – Quem acusa deve provar. Relativamente ao Polis, que investimentos teria feito na Guarda a última administração central se não fosse esse programa? Nenhum. Acho que foi o único e fê-lo porque já vinha do Governo anterior. A concretização física não se fez na totalidade porque faltaram os investimentos, criaram-nos complicações de toda a ordem e só agora, passados estes anos, é que o Plano de Pormenor foi aprovado. Muita gente contribuiu para que não o fosse mais cedo, o mesmo aconteceu em termos de candidaturas. Houve todo um trabalho para impedir que o Polis fosse concretizado na sua plenitude. Relativamente à minha vida profissional, em 1981 fui funcionário público durante oito meses na Câmara da Guarda. A partir daí, desenvolvi a minha actividade profissional, prestei serviços tanto ao sector público como privado, e orgulho-me do trabalho que fiz. Não me preocupo com essas acusações, não devo nada a ninguém e nunca recebi nada a que não tivesse direito.

P – Quem criou esses problemas foi Ana Manso?

R – Quem pôs entraves de toda a ordem ao Polis da Guarda e a outros projectos importantes para a cidade foi o Governo do PSD, mas acredito que a minha adversária contribuiu para que algumas decisões não tivessem sido tomadas em devido tempo. Com o objectivo de que, para a Guarda, quanto pior melhor.

P – Como vê justamente a lista do PSD?

R – Não me pronuncio sobre as outras candidaturas.

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