Arquivo

(Ir)responsabilidades

Agora Digo Eu

Algo não bate certo neste escândalo nacional que são os incêndios florestais. Não foi o ano mais seco, não teve mais ignições do que outros anos equivalentes em termos climatéricos e nunca houve tantos meios de combate, mas é o mais mortífero e com mais área ardida de sempre. Algo vai mal, e parece-me que vai mal a partir de cima.

O caso da Guarda é paradigmático. Os dois incêndios com mais área ardida na nossa região, o do Rochoso-Pinhel e o de Fernão Joanes-Ramela, terão tido origem na negligência grosseira de empresas que procediam à limpeza das bermas em plena época de fogos. Mas porquê naquela época? Anda tudo doido?

Alegadamente, e contra tudo o que é bom senso, as autoridades terão notificado as empresas contratadas para procederem a esses trabalhos na altura mais perigosa do ano – primeiro grande erro. Depois, vieram as empresas a proceder aos trabalhos sem equipamento de supressão de fogo, como seria uma boa meia dúzia extintores ou uma valente pick-up carregada de água até aos dentes – segundo e maior erro de todos.

Quer dizer, um particular não pode usar (e bem) uma roçadora de disco porque provoca faíscas, mas uma empresa credenciada para o efeito pode andar com um trator de discos a fazer limpeza de bermas sem estar em completo alerta vermelho e convenientemente preparada para obviar a qualquer ignição acidental?

Como diria o Diácono Remédios: «- Oh meuz amigozes, não havia nexexidade! Então vão logo fazer limpezazes no pico do verão homens de Deuz?»

Mas porque é que não ficam todos estes agentes bem quietinhos assim que a época dos incêndios começa? A limpeza, a ser feita, é ANTES de tudo começar, mas NUNCA em pleno verão. Isso é só incompetência, falta de bom senso e muita, mas muita, estupidez. Aí está uma medida preventiva de incêndios para a próxima época. Quando começar o inferno está expressamente proibida a limpeza de bermas e mato seja por particulares, seja por empresas, ditas credenciadas, e os senhores guardas devem dedicar-se a patrulhar em força o território à procura de gente com vontade de fazer fogueiras em pleno verão em vez de andarem a notificar e a aplicar coimas por falta de limpeza de bermas e terrenos. Não é com toda a certeza essa a época indicada para esses procedimentos.

Sinto-me envergonhado que a nossa região tenha tido dois grandes incêndios perfeitamente evitáveis e que entram para a quota dos 40% “acidentais” só porque uns se terão lembrado de notificar quando não deviam e outros, ao limpar, não tiveram a inteligência de se precaverem em dose dupla ou tripla para qualquer ignição acidental decorrente dos trabalhos (es)forçados.

Entretanto, da Autoridade Nacional de Proteção Civil, esse órgão máximo de (des)coordenação dos meios no terreno, perpassa uma ideia de intocabilidade e de conhecimento absoluto mas vazio. No caso do incêndio do Rochoso a polémica chegou aos jornais com toda a gente a admitir que terá havido um aparente laxismo no combate, com bombeiros à espera de ordens superiores. Atendendo ao emparcelamento dos terrenos com muros e à vegetação baixa, pareceu a toda a gente que o mesmo poderia e deveria ter sido extinto bem no início.

A ideia que fica com esta ANPC é que têm que se proteger as pessoas e as suas casas, ponto final. Tudo o resto é para deixar arder. Deixar os incêndios galgar montes e vales desde que não haja casas de primeira habitação, nem pessoas, pelo meio. Mas nem isso cumpriram atendendo ao que aconteceu em Pedrógão. Esta estratégia de “deixa arder” implica perdas enormes e irreversíveis para os ecossistemas, mas também para milhares de proprietários agrícolas e florestais. Ouvimos falar de milhares de bombeiros e de muitos meios aéreos envolvidos em cada grande incêndio, mas as áreas finais ardidas batem sempre recordes. Algo não está bem. É urgente repensar o território, mas é mais urgente ainda repensar quem manda no combate aos fogos. Parece-me que aqueles que dão o corpo às balas, que são os bombeiros e respetivos comandantes, que conhecem melhor do que ninguém o terreno, deveriam ter o papel principal e ser prioritariamente ouvidos no teatro de operações para que, em 2018, não estejamos a falar de novos negros recordes.

Por: José Carlos Lopes

Sobre o autor

Leave a Reply