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Internacionalismo Monetário

O meu título hoje pode parecer-vos muito bom, bem melhor do que é costume, mas infelizmente não é meu. Ouvi-o pela primeira vez numa gravação de um espetáculo ao vivo de José Mário Branco, momentos antes de este começar a cantar/declamar “FMI”. Este seu texto de 1979, escrito no rescaldo da primeira intervenção em Portugal do FMI, é um poderoso panfleto de revolta e era até há pouco mais recordado do que a própria intervenção ou a situação de pré-bancarrota do país que a provocou. Também poucos recordam que o que se lucrou dos sacrifícios de 1978/1979 foi depois desperdiçado por Cavaco Silva, como ministro das Finanças de Sá Carneiro, com políticas eleitoralistas injustificadas, obrigando ao regresso do FMI em 1983. Poucos recordam também que esta segunda vinda, que nos trouxe ainda mais duros sacrifícios, acabou por endireitar as finanças públicas e a economia em geral, iniciando um período de crescimento acima da média europeia.

Hoje, quando ouvia José Mário Branco e espreitava pelo canto do olho Jerónimo de Sousa a ser entrevistado na televisão, não podia deixar de verificar, mais uma vez, o que a esquerda tem de pior e melhor em situações de crise como esta. Não há nunca qualquer possibilidade de os fazer ver as evidências: numa empresa que se mostre incapaz de continuar a pagar os mesmos salários que até aí, não há um sindicalista que defenda a perda de qualquer regalia dos trabalhadores. O que se alcançou até aí não pode ter discussão; as conquistas são irreversíveis. Pena é que nunca apareçam soluções para evitar o encerramento e que as empresas acabem por fechar mesmo quando bastaria alguma flexibilidade durante algum tempo, alguns meses que sejam, para se manterem aqueles postos de trabalho. Pena também que muitas vezes não saibam fazer contas e se confundam com os demasiados zeros dos números grandes, como os do nosso défice.

Quando ouço Jerónimo de Sousa regressar com o velho mantra dos “fabulosos lucros da banca” e exigir que os sacrifícios sejam distribuídos por todos, e principalmente por quem mais pode, tenho de lhe dar razão em parte: não há qualquer justificação moral para a banca não ser tributada à mesma taxa dos restantes sectores da economia. Mas conviria ver quanto é que isso renderia em concreto, e seria certamente muito menos do que ele parece pensar (umas centenas de milhões de euros num défice de milhares de milhões). Conviria também que alguém lhe explicasse, por exemplo Octávio Teixeira, que é um homem inteligente e que não tem medo dos números ou de fazer contas, o que aconteceria a Portugal se exigisse já a reestruturação da dívida em vez de negociar com a “Troika”: o mais certo era ninguém mais nos emprestar dinheiro e vermos a administração pública paralisar a curto prazo. Ninguém empresta dinheiro a quem declara estar falido, ou, e é praticamente o mesmo, declara precisar que lhe reestruturem (em prazo de pagamento ou taxa de juros) a dívida. Quem emprestou a Portugal a juros de 8, 9 e 10 por cento só o fez a esses números, salvaguardando-se parcialmente dos riscos que corria, porque sabia que havia uma possibilidade, mesmo que remota, de não virmos a pagar (no prazo ou à taxa contratada); se agora confirmarmos que não era só um risco, veremos fecharem-se-nos definitivamente as portas do crédito. Por isso, ou o PC e o Bloco de Esquerda dizem onde acham que há petróleo, ou é melhor alinharem nas negociações com o FMI, nem que seja para exigirem o aumento da taxa de IRC aplicável à banca como alternativa a uma mais brutal descida de salários e pensões.

Por: António Ferreira

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