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Interioridade ou insularidade?

Durante gerações sucessivas o país discriminou positivamente, com medidas de índole diversa, as chamadas regiões autónomas, atribuindo-lhes subsídios ou cobrando-lhes um montante menor de impostos face ao restante território, por forma a compensá-las da sua insularidade (ou até, para as ilhas mais remotas, da sua “dupla insularidade”).

Se esta foi a política interna sucessivamente adotada nos diversos orçamentos de Estado, leis de finanças locais e em legislação avulsa, a nova agremiação política vigente – a União Europeia-UE – introduziu também ela mecanismos que permitem a adoção de medidas compensatórias para as agora denominadas regiões ultra periféricas.

Como é óbvio, estas medidas são uma necessidade dos estados para fazer face a políticas de coesão económica, social e territorial. E não é menos óbvio que elas deveriam atenuar nos cidadãos os efeitos adversos da localização em razão de fatores tão diversos como o relevo, ou o clima, ou a dependência económica de um número reduzido de produtos.

Não pondo em causa – nem questionando o mínimo que seja – a justeza destas medidas, não podemos deixar de questionar a equidade e justeza da sua aplicação territorial. Esta deveria contemplar critérios justos e adequados e, por consequência, estendê-las a outros territórios, desde logo o interior território continental.

Importa, pois, equacionar e obter resposta a uma simples pergunta: o que falta a todo esse imenso interior para ter o mesmo tratamento dado à insularidade ou região ultraperiférica? Absolutamente nada, pois são óbvias as acessibilidades dificultadas, o clima agreste que obriga a investimentos e a custos elevados, a dificuldade na obtenção de diversos produtos. Falta apenas um passo: a feitura da lei, cuja é por demais evidente, necessária e urgente.

Façamos um exercício simples para que esta evidência se torne mais clara ainda. Consideremos dois lugares: um insular, Ponta Delgada; e um no interior, a Guarda.

Principiemos por fazer uma análise comparada da carga fiscal. Ponta Delgada tem enormes vantagens: redução em 15% no IRS e de 30% no IRC; a dedução à coleta tem uma redução de 20%; há uma redução do IVA em 30%; está desenhada uma complexa rede de reduções em taxas de consumo que vão das bebidas alcoólicas aos combustíveis; há IMT e IMI reduzidos; e vigoram benefícios fiscais significativos.

Considerando os mesmos dois lugares para viajar até à capital, e considerando o binómio distância-tempo, Ponta Delgada ganha novamente vantagem: viagem de avião dura pouco mais de 2 horas, contra as 4h30 para a viagem da Guarda a Lisboa de comboio ou de autocarro e as 3h00 de automóvel cumprindo os limites de velocidade.

Quanto aos custos, bem, nesses esbarra-se novamente nos apoios à insularidade: enquanto um residente nos Açores vê o seu bilhete de avião de ida e volta rondar 150€, a viagem que concorre com esta – a de automóvel – soma combustível, portagens e desgaste ou aluguer de viatura e (considerando apenas um veiculo utilitário) ultrapassa os 200€. A vantagem está, novamente, do mesmo lado.

Sendo certo que os exemplos aqui dados podem ter algumas distorções, não é menos certo que a realidade não está longe do que se descreveu: há, nas políticas de Estado e europeias, uma desvantagem clara para o interior continental.

Vejamos ainda uma pequena monstruosidade altamente contraditória: as mesmas Finanças que discriminam positivamente a insularidade, são as mesmas que penalizam um equipamento de aquecimento central numa região fria como a da Guarda, não a vendo como um encargo e uma necessidade mas tomando-a por um elemento de qualidade e de conforto para agravar o valor tributável de IMI a pagar.

Isto dito, coloca-se a questão. Quem precisa mais, hoje, de ser apoiado pelas políticas públicas: os territórios insulares ou os do interior do país? Para mim, a resposta é fácil: as necessidades mais prementes deslocaram-se, sem dúvida, para o interior.

Por: Acácio Pereira

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