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Injustamente Esquecidos

O meu amigo José Veiga reformou-se. Não é que a idade fosse muita, ou que não fizesse falta, que homens como ele deviam ser proibidos de se reformarem tão cedo. O ponto é que tinha direito a isso e exerceu-o, nada que lhe possa ser apontado. José Pires Veiga agora dedica-se à agricultura e pouco mais. Estará disponível para a Associação de Jogos Tradicionais, para os filhos, e ansiará, de certeza, pelos primeiros netos. Não gostei da maneira como foi empurrado para a reforma, por um secretário de estado, cujo nome desconheço, que praticamente o obrigou a demitir-se quando descobriu não ser ele, José Veiga, um simples pau-mandado. Não gostei também do silêncio geral sobre a sua saída da vida pública, ele de quem muito se esperava e que muitos contavam como reserva moral, do PS e da cidade.

O meu amigo Carlos Baía vai ser julgado em tribunal por ofensas de opinião. Disse o que pensava de José Albano, que tinha acabado de ganhar a Federação do PS da Guarda. Baía não gostou da forma como Albano ganhou as eleições e disse-o publicamente. Foi duro e desassombrado, como é costume nele e como deveria ser em todos os que sentem como missão sua vigiar e comentar o que fazem os passageiros do Poder. O certo é que, tendo dito em voz alta o que pensa, correspondente ao que muitos outros diziam baixinho, vai ser julgado em tribunal como se fosse um delinquente. Carlos Baía, como José Veiga, afastou-se voluntariamente da área do poder mas nunca abdicou de dizer o que pensa e de agir de acordo com o que pensa. Homens como eles, os dois, deveriam estar à frente dos nossos destinos mas não estão. Um reformou-se, o outro é arguido num processo judicial.

Havia também Afonso de Paiva, mas morreu. Admirava-o desde os meus dezasseis anos, quando ia jogar xadrez com ele para o Café Mondego. Ele dava-me às vezes boleia para casa no “Boca-de-Sapo” que tinha na altura e gozava comigo e com a efígie de Lenine, espetada na minha camisa: “não tens vergonha de andar num carro fascista como este?”. Não, não tinha vergonha, e gostava dele e da maneira desassombrada, honesta, e sem preconceitos como ele encarava o jogo do xadrez e o Mundo. No dia em que foi a enterrar, lamentei também o facto de o não ver há meses, de não ter podido ter com ele uma última conversa que pudesse pensar hoje ser uma despedida.

Tratamos mal os melhores que há entre nós. Há coisas muito mesquinhas e feias que se interpõem entre nós e aquilo que é justo e deveria ser feito. Num mundo melhor, Afonso de Paiva não tinha morrido ainda, que apesar da bela e longa vida que teve merecia ainda mais, e teríamos José Veiga e Carlos Baía longe da reforma e dos tribunais.

Por: António Ferreira

Comentários dos nossos leitores
Samuel Antic santicaciques@gmail.com
Comentário:
Eu também concordo que José Veiga não devia ter sido despedido da Segurança Social, pela simples razão de que nunca lá devia ter entrado, uma vez que nunca possuiu habilitações que lhe permitissem ser presidente daquele organismo. As “habilitações” foram-lhe conferidas pelo símbolo partidário. Com tais “habilitações”, o homem até podia ser analfabeto que teria desempenhado o cargo da mesma forma, ou seja: tachismo, puro e simples. Manifestar pena por pessoas a quem foi retirado o tacho é, no mínimo, ridículo.
 

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