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Independência da Madeira, Ano I

A independência da Madeira, decidida em finais de 2012 por 80% dos eleitores do continente e 60% dos eleitores madeirenses, foi inaugurada com um baile de gala na Quinta da Vigia e um soberbo espectáculo de fogo-de-artifício. O governo da nova república deu um primeiro sinal de querer equilibrar as suas contas ao juntar numa duas celebrações: a independência e a passagem do ano. Mas era afinal, como se veria, uma simples coincidência. Na manhã seguinte, o zarpar antecipado de um transatlântico fundeado no porto do Funchal deixou nos raros madrugadores um ligeiro, mas não identificado, incómodo.

Alguns dias depois, os madeirenses descobriram que a moeda em curso na ilha teria de deixar de ser o Euro, já que tinham deixado de pertencer à União Europeia. Os acordos celebrados com Lisboa não se estendiam ao Funchal e se este queria estar representado em Bruxelas teria de esperar. Á frente, na fila, encontrava-se por exemplo a Turquia, mas isso pareceu não incomodar Alberto João Jardim: “Não precisamos do Euro para nada, vamos criar de imediato a nossa própria moeda!”. Depois de alguma discussão na Assembleia Nacional, integrada a 100% por deputados do Partido Madeirense, foi decidido dar à nova moeda, em homenagem ao principal fruto do arquipélago, o nome de “banana”. No dia seguinte, e sem descanso a partir daí, as rotativas começaram a imprimir dinheiro. Algumas semanas depois, quase terminadas as reservas em euros e demais moeda estrangeira, uma cadeia de supermercados do arquipélago tenta encomendar em Portugal um fornecimento de carne pagando em “bananas” para descobrir de imediato que a nova moeda não tem cotação internacional e que a ilha está reduzida aos próprios recursos.

Alberto, entretanto, está indeciso quanto ao estatuto que deve assumir. Depois de muito hesitar, decide fazer-se coroar Imperador durante o Carnaval de 2012. Alberto João, o primeiro, decreta de imediato a expropriação de todas as jóias existentes no arquipélago, não apenas para conseguir fundir uma coroa condigna, mas também para trocar o sobejante pelas indispensáveis divisas. No discurso inaugural do seu reinado, o imperador tinha insultado os portugueses, os ingleses, a internacional socialista, o Benfica e a maçonaria. No dia seguinte é lançada uma ponte aérea para o repatriamento ou exílio dos “indesejados”, a expensas da antiga “potência colonial”.

A inflação atinge rapidamente os 1000%, e depois os 3.500.000% e as rotativas continuam a imprimir dinheiro. Alberto João decide apesar disso que, atendendo à vasta área marítima madeirense e à vaga ameaça do “rectângulo”, é indispensável criar uma marinha de guerra. Gasta sem hesitar as últimas reservas em moeda estrangeira para adquirir duas fragatas da segunda guerra mundial, em muito mau estado mas a bom preço. Depois de tentar um empréstimo junto do BANIF, recusado de imediato, descobre que o rating do “império” está reduzido a -ZZZ. Tenta então em desespero a nacionalização do BANIF, para descobrir que este nada detém de relevante no arquipélago que possa ser apropriado pela coroa. Em discurso aos madeirenses o imperador declara adoptar o “juche”, ideologia oficial da Coreia do Norte, e proclama-se “Grande e Eterno Líder”. Num raro momento de lucidez, determina-se a quantificação da produção alimentar em face das necessidades, concluindo-se que a produção cobre uns meros 30% do que seria necessário. Em crónica publicada no Jornal da Madeira, Jaime Ramos, número dois e delfim do regime, declara que “talvez sejamos demasiados para tão pouca comida”.

Enquanto a fome alastra, uma das fragatas naufraga silenciosamente na baía do Funchal, deixando atrás de si um rasto de óleo e ferrugem. Alguns observadores internacionais reportam para o mundo civilizado notícias de canibalismo nas zonas mais pobres da ilha. Alberto João primeiro, o Eterno Líder, anuncia ao mundo que a Madeira adquiriu em em contrabando e a crédito o seu primeiro míssil nuclear e que está disposta a usá-lo, caso o “rectângulo não liquide de imediato as dívidas de séculos pela exploração do superior povo madeirense”.

Por: António Ferreira

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