As unanimidades deixam-me sempre desconfiado. E porquê? Porque só conheço uma situação em que todos são obrigados a estar de acordo: os sistemas totalitários. Vem isto a propósito das críticas generalizadas à regulamentação da lei da imigração. Nos dias seguintes à sua aprovação, associações patronais, sindicatos, representantes de imigrantes, partidos de esquerda e até alguns sectores da Igreja, vieram a terreiro atacar as novas regras. Como disse Nelson Rodrigues, “toda a unanimidade é burra”, e esta parece não fugir à regra.
A nova regulamentação pode não resolver todos os problemas, mas é um grande passo em frente no sentido da integração plena dos imigrantes. Porque permite a legalização dos filhos de emigrantes ilegais, desde que nascidos até 15 de Março de 2003. Porque garante aos menores filhos de imigrantes o acesso à educação e à saúde, independentemente da situação legal dos pais. Porque autoriza os imigrantes legais a trazerem para junto de si a família. Porque faculta a legalização a todos os que descontaram pelo menos 90 dias para a segurança social e para o fisco. Porque estabelece quotas anuais de entrada de imigrantes em Portugal, evitando assim a exploração dos ilegais. E este parece ser o ponto mais polémico. As associações patronais dizem que 20 mil imigrantes – a quota para 2004 – não chegam para suprir as necessidades. O que é estranho, já que o Ministério da Segurança Social e do Emprego chegou a este número a partir de um inquérito efectuado precisamente junto de 14 mil empresários. As associações de imigrantes, os sindicatos e os partidos de esquerda dizem que a lei é xenófoba, porque impede a livre entrada de imigrantes. Sinceramente, parece-me que estas quotas fazem todo o sentido. Ao receber apenas os imigrantes que o mercado de trabalho pode absorver, Portugal está a protegê-los dos empresários sem escrúpulos, das máfias e dos traficantes de mão-de-obra barata. Por isso entendo que estas quotas são o garante de uma efectiva integração económica, social e cultural dos imigrantes em Portugal.
Penso até que o esforço de integração deve ir mais longe. Para além de protecção social, Portugal deve criar condições para que os imigrantes desenvolvam actividade na sua área de formação. Tal como a Fundação Gulbenkian fez no ano passado, o Estado deveria subsidiar os imigrantes com formação nas áreas em que Portugal precisa de técnicos, como a Medicina, por exemplo. Talvez assim se resolvesse a crónica carência de médicos no Interior.
Em suma, a lei pode não ser perfeita, mas é um grande avanço no sentido de oferecer melhores condições de vida a todos quantos procuram em Portugal o que os portugueses procuraram em França nos anos 60 e 70.
Por: João Canavilhas